Seria o vaporwave uma crítica ao
modelo neoliberal 2.0 que domina a política ocidental em defesa do capitalismo
global ou seria uma ferramenta de propaganda desse sistema?
Em Meltdown, Nick Land faz uma
estranha analogia entre o calor e as megalópoles: a cada passo, somos atingidos
por rajadas de calor, e o encontramos em aglomerados, nos meios de transporte,
em um deslocamento incessante entre o concreto e a biosfera. Não se trata de
deter esse processo ou questionar-se: “devíamos detê-lo?”. É assim que as
nossas grandes cidades se estruturam -
exatamente como elas foram planejadas.
Gradativamente, a tecnosfera avança sobre a biosfera, sem qualquer sinal
de disposição para negociar um meio-termo, uma relação harmônica entre ambas as
partes. A identidade cultural e individual é esmagada por um modelo global que
emerge como uma grossa nuvem de fumaça. Vapor em tudo que nos rodeia, emanando
do asfalto quente e de nossos aparelhos de inalação. Não se parece em nada com
os romances cyberpunk, tampouco o que idealizávamos em um viés puramente
dedutivo com base no desenvolvimento técnico-cientifico. Ano 2000, esperávamos
mais de você.
Nem Jetsons, nem ‘Chemical Plant
Zone’: se a guerra fria serviu para
alguma coisa, foi para alavancar as produções que flertavam com a ficção
científica. Em suma, era mais fácil especular sobre o século XXI em 1970 do que
faze-lo nos dias de hoje. Como explicar para nossos entes queridos (e já
falecidos) que ultrapassamos a barreira do ano 2000 sem um carro voador, um
apocalipse nuclear ou uma revolução dos ciborgues? E mais do que isso, como
viver sem uma data para que isso aconteça?
O futuro é o hoje: a prótese robótica e a usina radioativa que vaza sem
sair nos jornais. Mas para nós, ninguém voa e ninguém morre.
Para entender o vaporwave, é
imprescindível mergulhar de cabeça em dois discos: Eccojams Vol 1, de Chuck
Person (alter-ego de Daniel Lopatin) e Far-Side Virtual, de James Ferraro. Ambos desenvolveram ao longo de sua formação
musical uma notável capacidade de explorar, coletar e reproduzir sons do espaço
urbano e ruídos que acompanharam a revolução técnico-cientifica das duas
últimas décadas, criando loops e beats que vão do hipnótico ao sensual,
flertando com a estrutura do pop e do RnB. A perspicácia que envolve a coleta
de samplers denota uma elevada sensibilidade artística: são sons e ruídos tão
comuns ao cotidiano moderno que acabam por se tornar imperceptíveis ao ouvinte
médio. Não é futurista, tampouco nostálgico. Pertence genuinamente ao presente.
Capitalismo global: a gente se
liga em você! – Seria o vaporwave uma ode ao sistema vigente ou um opositor?
Nem um, nem outro. Partindo da filosofia
pós-kantiana, o cientista deve abster seus valores do objeto de estudo, o que
se torna um tanto delicado quando o assunto em pauta é o capital.
Aparentemente, o vaporwave encara a hipermodernidade como uma ferida que não
pode (e nem deve) ser estancada - qualquer intervenção cirúrgica tem como
consequência o desencadeamento de uma hemorragia. A ausência de uma solução ou a
impossibilidade de interferir no objeto de análise anula por completo a
necessidade de ser contra ou a favor. As técnicas oriundas das field recordings
se fazem presentes, substituindo o meio rural pelo espaço urbano. Ao invés de
um estúdio, um home-studio. Um pedal de reverb que simula não uma catedral ou
um corredor, mas o que se escuta no alto do maior prédio de hong kong ou na
vida noturna de Bangkok. REAL LIFE AWAITS US.
Thiago Miazzo
Um comentário:
Genial, me deixou mais interessado ainda sobre esse gênero emblemático e cheio de significados.
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