quinta-feira, 8 de setembro de 2011

(crítica – disco) Zomby – Dedication (2011; 4AD, Reino Unido)



No primeiro disco, Where Were U in ’92, o misterioso Zomby compôs um comentário arrojado sobre a cena eletrônica inglesa dos anos 90. Reduzindo a pluralidade de vertentes que marcou o período a alguns elementos padronizados (timbres, samplers, patterns rítmicos, etc.),  obteve uma sonoridade “crítica”, voltando o olhar simultaneamente para o passado e o futuro. Where Were U in ’92 era um álbum conceitual, rigoroso ao restringir o número de referências musicais a uma linhagem bem delimitada (o UK garage, o techno, o drum’n’bass), mas com fôlego e timbres de século XXI.

Sem recair em revisão ou reapropriação, mas como os mosaicos compostos por velhos ladrilhos, Zomby recriou padrões da eletrônica inglesa, em um processo de vivificação. E como a combinação de velhos mosaicos, Where Were U in ’92 possui também a leveza democrática do colorido difuso, revelando o talento especial do autor para a composição de temas e melodias extremamente palatáveis, mas que em nenhum momento se tornam vulgares ou desinteressantes. Com essas duas particularidades, a releitura e a leveza, Zomby fez um dos discos mais surpreendentes de 2008.

Não parece muita coisa afirmar que Dedication repete as duas características bem-sucedidas do primeiro álbum. Pois é o que de fato acontece, com algumas diferenças substanciais. Primeiramente, o disco é mais fragmentário, não prima pelo rigor conceitual do anterior. Where Were U in ’92 segue um fluxo comum, ao passo que Dedication alterna variações mais evidentes de volumes e bpms.

Mas o que o diferencia consideravelmente é o fato de que suas referências atravessam mais de duas décadas de música eletrônica. A matéria-prima extrapola uma época específica e engloba não somente os anos 90, mas o que derivou daí, nomeadamente o dubstep (“Things Fall Apart”, com participação de Noah Lennox), o witch house (“Witch Hunt”), o wonky (“Vortex”), o techno (“Riding With Death”), o chiptune (em todo o disco, mas especificamente em “Digital Rain”), o dancehall digital (“Mozaik”) e outras que desafiam nossa capacidade de citar rótulos. O drum'n'bass não poderia faltar, responsável pela tensão psicológica de “Florence”, a faixa que mais opera com as variações de volume na mixagem.

Diversificando suas fontes, Zomby também variou no cardápio. Enquanto Where Were U in ’92 era disco de festa, que apostava em um continuum massivo de batucada digital, Dedication traz faixas mais lentas, reflexivas quase ao ponto de soarem com a parcimônica ambient (sobretudo em “Vanquish” e “Basquiat”), harmonias e texturas mais trabalhadas, construídas com o mesmo senso milimétrico do anterior. E tudo sublimado por uma consciência pop expressa em melodias e batidas cativantes, que tornam Dedication uma audição mais do que agradável. Não deixa de admirar esta verdadeira contradição: uma capa com cara de bula de remédio, uma identidade incógnita, e o pop como profissão de fé, com a única intenção de fazer dançar.

Bernardo Oliveira

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