segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Grizzly Bear – Shields (2012; Warp, EUA)

























Em seu último trabalho, o Grizzly Bear recorre mais uma vez a uma concepção que sintetiza de forma particular instrumentos acústicos e eletrônicos, aspectos da música psicodélica em sua tendência folk (vide o “baroque pop” de Van Dyke Parks ou o Scott Walker dos anos 60), experimentações pontuais, seja na estrutura do arranjo (a reviravolta em “Lullaby”, o canto de trabalho em “Plans”), seja através da inclusão de compassos compostos (como em “Sleeping Ute”) e ruídos (como em “I Live With You”). Aliada a essa sonoridade simultaneamente evocativa e original, imagens poéticas tingidas por uma psicodelia controversa, que delira nos recantos mais acinzentados da imaginação — como se pode comprovar na representação imagética traçada nos videoclipes de “Two Weeks” e no recém-lançado “Gun-Shy”. Em Shields todo esse arcabouço conceitual não se altera de forma significativa, o que nos levaria a crer que trata-se da repetição de uma fórmula que, parece, vem dando certo. Mas uma audição mais atenta revela que, para além das evidências, o Grizzly Bear ainda tem muita estória para contar.

Há um ponto de convergência no cerne do trabalho da banda que não pode ser desprezado: a densidade pop da composição de Edward Droste e, particularmente, de Daniel Rossen, se adequa perfeitamente aos arranjos repletos de detalhes de Chris Taylor, responsável por organizar de forma coesa e criativa uma parafernália que inclui, além da trinca baixo-guitarra-bateria e do violão folk, cordas, sopros, sintetizadores e demais apetrechos eletrônicos — Taylor também produziu e mixou In Ear Park do Department of Eagles de Daniel Rossen e Fred Nicolaus. É perceptível a exploração das potencialidades formais desta convergência no trabalho do grupo, expressa sobremaneira através da pletora de detalhes e dinâmicas. Mesmo cercados por um arsenal de instrumentos e referências, a riqueza dos detalhes e das dinâmicas confere identidade ao grupo, em um cenário tomado pela “retromania” estéril e a nostalgia travestida de “estilo”.

A título de exemplo, observem os diversos momentos de “Half Gate”, uma provável composição de Droste: a introdução solene do cello, o exemplar domínio das dinâmicas de volume da caixa de bateria e da guitarra, o crescendo na segunda parte, a explosão do refrão, o breve interlúdio orquestral antes de retornar à estrofe e o final apoteótico. Ou as diversas partes e camadas de “Speak In Rounds”, sobretudo o arranjo de sopros no final, a proeminência da levada de violão, a junção estratégica com a vinheta “Adelma”, composta no mesmo tom. E a entrada de “Sleeping Ute”, com a guitarra executando um riff em 6/8: a bateria poderia simplesmente acompanhá-la, mas ao contrário, recorta o andamento interpondo a caixa e o bumbo em posições em nada evidentes, com o auxílio de percussão, hammond, violões e… “explosões” (sim, elas estão lá!). 

O fato de que, pela primeira vez, todas as composições foram assinadas pelos quatro membros reforça a tese da convergência fluente entre o setor cancioneiro e o setor da concepção sonora. Mesmo que a tendência seja atribuir ao vocalista a autoria da canção — o que se confirma relativamente com “Sleeping Ute” e “A Simple Answer”, cantada por Rossen, ou “Yet Again” e “The Hunt”, cantada por Droste — o que temos em Shields é, mais uma vez, um brilhante desempenho de conjunto. Vale notar que o Grizzly Bear é uma das poucas bandas hoje em dia capazes de se expressar desta forma em disco e em show. Se o caro leitor estiver ciente do concerto que eles farão no Rio de Janeiro amanhã... é preciso dizer mais alguma coisa?

Bernardo Oliveira

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