quarta-feira, 28 de setembro de 2011

(crítica - disco) Sidi Touré & Friends – Sahel Folk (2011; Thrill Jockey, EUA [Mali])

Para descrever os atributos deste álbum, convém enaltecer a felicidade de um encontro musical calcado na amizade e na espontaneidade dos movimentos, que, no entanto, encerram grande sensibilidade, grande sabedoria. Convém apreciar o quantum de conhecimento e improviso, de frescor e ciência, deleite e método, presentes em cada nota, cada modulação, cada melodia.

Sidi Touré, mestre do songhaï malinês, se junta a seus amigos Dourra Cissé (guitarra, voz), Jambala Maiga (kutigui, violão de uma só corda), Douma Maiga (kurbu, violão de três cordas), Jiba Touré e Yehiya Arby (ambos guitarra e voz). O resultado, Sahel Folk, encanta pela coesão, equilibrando sequências de imensa delicadeza com outras mais agitadas.

Faixas como “Bon koum” e “Artiatanat” apresentam uma vertente mais bluesy do songhaï, através de repetições melódicas e uma entonação reflexiva e espaçada. Somada ao canto sinuoso de Touré, criam um atmosfera árida e, ao mesmo tempo, alerta. Já o balanço agitado de “Djarii Ber”, com seus arpejos em loop, exala uma sonoridade acidentada, decorrente da execução veloz, imprecisa e cheia de suingue. Este elemento, o da "imprecisão programada", confere ainda mais pujança ao conjunto.

Mas é na sobreposição conflituosa do dedilhado dos diversos instrumentos, inclusive o kutigui e o kurbu malinês, que reside a magia do álbum. Em “Bera nay wassa”, a tensão entre o canto parcimonioso de Touré, com a imprecisão rítmica das cordas; em “Taray Kongo”, os ataques enérgicos das palhetas, bem como os diversos trechos que se alternam sobre a repetição da linha de contrabaixo. Nesses momentos, a música adquire um conjunto que só encontra paralelo nas jams extraordinárias de Ali Farka e Toumani Diabaté.

O teor de expresão do conjunto em Sahel Folk remete aos Cinco Batutas de Pixinguinha, os dois quintetos de Miles Davis, os grandes discos do Época de Ouro, e todos os ensembles que expuseram os mecanismos da amizade, da afinidade, da conformidade a um propósito musical, mesmo que eventualmente esta conformidade se traduza em uma sonoridade conflituosa. Equilíbrio não constitui um bom adjetivo para determinar a beleza do disco, pelo contrário. É justamente nessa relação desigual entre inclinações instrumentais diversas, mas que ao mesmo tempo conseguem travar um diálogo pleno, que Sahel Folk constrói um dos momentos mais belos da música malinesa nos últimos anos. 

Bernardo Oliveira

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