segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Sobre "A Zona de Interesse"














Ritualizar o cotidiano mais ordinário muro-a-muro com a mais insana ignomínia — pontuando essa narrativa austera com telas vermelhas e estranhíssimos recursos a imagens em negativo, sublinhando e intensificando a experiência sonora, a caldeira, os gritos, os jatos e tiros. Não há como não notar as prodigiosas proporções e enquadramentos — sobretudo no terceiro ato — que tendem a espelhar vidas regradas por códigos sombrios, edificadas com o claro propósito de garantir alguma normalidade em meio à industrialização do extermínio. Há alguma razão aparente para vislumbrar a banalidade do mal através dessas coreografias absurdas — gente cuidando da casa, limpando os móveis e educando as crianças enquanto a fumaça e um rumor ininterrupto parecem cair como um manto sobre todas as coisas. Antes do mal, porém, há outros registros da banalidade. O que poderia dar errado em um filme tão cioso e ciente de suas premissas e estratégias? Afora a possibilidade de levantarmos a hipótese do "holoexploitation" — cuja tragédia teria ocorrido em "Schindler's List", e a farsa em "Jojo Rabbit" — há que se cogitar em paralelo a hipótese de uma mão artesanal tão pesada que é incapaz de delirar, que vai se tornando mais pesada conforme se vê revestida de responsabilidades com os limites do tolerável, conforme demonstra, com transparência, que fora absorvida por algo que escapa da imagem e invade a moral com a força que só o medo é capaz. O nó é cristalino. E o medo quebra a quarta parede nas últimas sequências, quando o filme se converte em uma experiência de atualização, invadindo e sendo invadido pela realidade.

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