sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Retrospectiva 2013: 12 funks (Marcelo Mac/Raoni Mouchoque)

MC Nego do Borel 




















Os funks cariocas que, segundo os organizadores, "fizeram o inferno girar em 2013." Lista elaborada por Marcelo Mac, da equipe Eu Amo Baile Funk e Rio Parada Funk e por Raoni Mouchoque, da Rádio Legalize. Algumas notas: o vocal anasalado de Tarapi; algumas letras não se preocupam tanto com a rima, mas com o ritmo; a infusão ragga do MC Romântico, o sotaque latino do Byano DJ, a tendência à mistura; prevalece a utilização do MPC, mas misturada a outras dinâmicas de discotecagem, como se pode observar nos "aquecimentos." Prevalece também os temas sexuais, mas a dupla MC Dollores e Fabinho Zona Sul fez lembrar o funk de protesto dos 80/90 com "Caso Amarildo." Eu acrescentaria o "funk cracodélico" de Mc Carol em "Bateu uma onda forte", mas de fato não parece tão popular quanto os que se seguem. Também ficou de fora o "funk ostentação" produzido em São Paulo, outra vertente passível de atenção. Devo agradecer ao Mac e ao Raoni pela força. Até 2014.   


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MC Cyclone - Sarra pra esquerda, sarra pra direita





MC Tchulin - Tira a mão de mim, deixa eu vacilar





MC Romântico - As novinha tão sensacional





Mc's Fanny e Boneko - É muito bom fazer na onda 




MC Tarapi - Novinha Safadinha





MC Marcelly - Bigode Grosso




MC Magrinho – Tom e Jerry




MC Nego do Borel - Cheguei no Pistão




Bonde das Maravilhas - Aquecimento das Maravilhas




Byano DJ Montagem



Aquecimento do Outro Mundo




MC Dollores & Fabinho Zona Sul - Caso Amarildo


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Raoni Mouchoque (Radio Legalize) e Marcelo Mac (Equipe EU AMO BAILE FUNK/RIO PARADA FUNK)



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Retrospectiva 2013: 100 faixas (Bernardo Oliveira)

15 das galáxias


“Mind On” – Lonnie Holley (Keeping a Record of It. Dust-to-Digital, EUA)

























A brisa do Caribe, o Mardi Gras, o ambiente cultural do “black atlantic”, mas também a natureza exploratória da música negra diaspórica, o dub, o jazz, o Peru negro. Nos seis minutos de “Mind On” é possível deixar-se absorver por muitas informações, mas sobretudo pela voz agridoce de Holley, algo entre as articulações sinuosas de Horace Andy e o timbre anasalado de Aaron Neville. Batucada digital discreta (um sambinha?) e um teclado estranhíssimo (passarinho esquisito?), servem de base para a voz singular de Holley. Hipnótico e viciante.






“Passarinho Esquisito” – Passo Torto (Passo Elétrico. YB Music, Brasil)















Como bem observou Fred Coelho na crítica ao Passo Elétrico no Matéria, este passarinho não é o “Sabiá”, nem o “Passarim”. Diferente dos muitos passarinhos que povoam a MPB, este é “um animal transtornado”, “estuprador”. A canção, então, incorpora os transtornos obsessivos do passarinho, sua esquizofrenia e rara familiaridade. O contrabaixo marca o andamento, as guitarras distorcidas criam outras dinâmicas rítmicas, garantindo a presença do “Passarinho Esquisito” no rol de canções que desafiam algumas premissas da chamada MPB.






“Don’t Hold the Wall” – Justin Timberlake (The 20/20 Experience. RCA, EUA)



















Reza a lenda que Justin Timberlake chegou a combinar com Michel Jackson um retorno à altura do mestre. Sua morte interrompeu o projeto, mas a parte I de The 20/20 Experience traz uma abordagem arrojada e surpreendente da música de Michael. Com arranjo de Timbaland, “Don’t Hold The Wall” se organiza como um “serialismo pop”, ordenando blocos sonoros que se sucedem e se justapõe, em um procedimento que pode ser observado por todo o disco. Ressalto o efeito de transição obtido com a retirada da harmonia e alteração da batida.






 “LURK” – Chinese Cookie Poets + Zbigniew Karkowski (Hy Brazil Vol 2: New Experimental Music From Brazil; s/g, Brasil/Polônia)





























No ano em que a chamada noise music perdeu dois de seus mais maiores artistas, o polonês Zbigniew Karkowski e o japonês Akifumi Nakajima (Aube), o produtor Chico Dub escalou “LURK” para o volume dois da coletânea de inéditos Hy Brazil. Gravada em 2011, a faixa é produto de uma colaboração prolífica entre o trio carioca e o “noiseiro” polonês. Estruturada por um loop de baixo, “LURK” se impõe pelo diálogo conflitante entre as quebradas da bateria, a guitarra e os ruídos estridentes emitidos pelo lap top de Karkowski.






“Concrete” – Batillus (Andy Stott Remix) (12”) (Modern Love, Reino Unido)




















Há pelo menos três anos, Andy Stott lança algum material difícil de se ignorar. Ainda no início de dezembro, veio a público o remix que Stott produziu para a banda nova-iorquina Batillus. O estranho convite, vindo de uma banda de metal, surgiu após participarem de um mesmo festival nos EUA. Tudo bem que o peso do grave é uma característica marcante de seu trabalho, mas remixando uma faixa de metal, com direito a vocais de monstruosos e percussão digital retumbante, o produtor se revela a cada ano um artista imprevisível.





“A Tooth For An Eye” – The Knife (Shaking The Habitual. Brille Records, Suécia)





















Após o êxito de Silent Shout (2006), era de se esperar que o The Knife se esmerasse ainda mais em um artesanato pop eletrônico, fixando de vez sua presença no cenário mundial. Porém, Shaking Habitual realiza exatamente o que promete, particularmente em “A Tooth for an Eye”: andamentos em 3/4, percussões com sonoridades férreas e uma cantora peculiar. As más línguas falam em Dirty Projectors, mas trata-se de uma faixa surpreendente e poderosa de um grupo que contrariou expectativas.






“Love Is Lost” – James Murphy (Hello Steve Reich Mix) (The Next Day Extra EP. Columbia, Reino Unido/EUA)



















Nunca fui lá muito fã da DFA e mesmo do LCD Soundsystem. Por uma inflexão de época, que geralmente não é observada, superestima-se o poder festivo da disco music, o mesmo tipo de fascínio conservador devotado ao último disco do Daft Punk. No caso do “Hello Steve Reich Mix” que James Murphy produziu para a mais bela faixa do último álbum de Bowie, há muito mais do que disco music. Há a citação à “Clapping Music” de Steve Reich e a outras canções de Bowie, como “Ashes to Ashes”. Uma espécie de museu do futuro, articulando as muitas facetas de Bowie às muitas vanguardas nova-iorquinas.






“Let’s Play That” – Metá Metá (E Volto Pra Curtir – Tributo a Jards Macalé. s/g, Brasil)





































Gravada para a coletânea em homenagem a Macalé e a seu primeiro disco de 1972, a interpretação do Metá Metá para “Let’s Play That” é o produto de uma execução espontânea protagonizada por três músicos absolutamente conscientes do que estão fazendo. O trio abre espaço para a improvisação, há momentos em que a música cresce para reinar a absoluta cacofonia. E, no entanto, nada aqui parece fora do lugar. Corro o risco de soar injusto talvez com o próprio Macalé, mas esta é a versão mais poderosa de sua canção.





“The Last Unicorn” – Negro Leo (Tara. s/g, Brasil)

































“O delírio antitotalitário da cola de sapateiro. O estado sente muito.” Durante os levantes de julho de 2013, esta frase me veio à cabeça por muitas vezes. O delírio da cola de sapateiro é o impulso delirante da arte contra a ação repressora do capital (leia-se, do Estado). Mas “The Last Unicorn” comporta outras interpretações. Uma canção política que reivindica o poder do delírio através de uma arte violenta, enunciada aos berros. Canção-dispositivo, incendiária, cresce muito nos shows.






“Maxim’s I” – Julia Holter (Loud City Song. Domino, EUA)



















Os ruídos dos pratos de bateria crescem, um teclado celestial toma todo o espaço, talvez um mellotron, talvez cordas, não sei bem. Com dois minutos, um segundo momento, outra harmonia seguida de um interlúdio executado por quarteto de cordas. Em certos momento somos convocados à contemplação onírica, fluindo a profusão de ideias sonoras que Holter concentra em apenas seis minutos. A harmonia é vaga, enquanto sua voz flutua sobre os belos contrapontos e volutas orquestrais. Van Dyke Parks e Linda Perhacs são algumas de suas referências, mas, ano após ano, Julia vem confirmando que possui um discurso próprio.






“Sambaúba” – Kiko Dinucci, Thiago França e Serginho Machado (Dada Radio Sessions. s/g, Brasil)


































O que me fascina no trabalho de Kiko Dinucci é o fato de que reabilita certas tendências presentes na história da MPB (a partir dos anos 60, bem dito). Sua ferramenta é o punch e o punk, força e precisão. No caso de “Sambaúba”, duas tendências estão em jogo: o emprego dos parônimos com função rítmica, capaz de remeter ao trabalho de Djavan, Caetano e dos repentistas nordestinos. E o suingue roqueiro da formação em trio, semelhante ao balanço do primeiro disco de Macalé — com o saxofone de Thiago França substituindo o contrabaixo e a bateria de Serginho Machado combinando balanço e inventividade.





“Obvious Bicycle” – Vampire Weekend (Modern Vampires Of The City. XL Recordings, EUA)














































A quantidade de informações com as quais os membros do Vampire Weekend elaboram sua música pode até justificar a interpretação segundo a qual eles seriam uma banda presa ao passado. Noto apenas que as referências não são tão evidentes, tampouco a forma como eles se apropriam delas. “Obvious Bicycle” é marcada com “grilhões digitais”, em alusão à percussão que acompanha os cantos de trabalho gravados por Alan Lomax (produzido pelas enxadas, bem entendido). Também ouvimos inflexões da música afro-americana, litúrgica e profana (spirituals, doo wop, blues). Tudo isso sintetizado a uma melodia estritamente pop e exuberante, “Obvious Bicycle” é, para mim, a “canção” do ano.






“Fail” – Demdike Stare (Testpressing #004. Modern Love, Reino Unido)





















Em pouco tempo, Miles Whittaker e Sean Canty produziram faixas e discos muito diferentes. E no entanto, sustentaram um “caráter” para o Demdike Stare, ou seja, conseguiram experimentar em muitas direções, mantendo o conceito primordial: reproduzir/explorar o caráter eficaz da “música aplicada”, da library music e das trilhas sonoras, mas também buscando extrair novos procedimentos dos aparelhos e discos que eles adquirem incessantemente. Dos quatro volumes da série Testpressing, editada esse ano, muitas faixas poderiam figurar nessa lista, tais como “Collision” e “Primitive Equations”. Mas escolhi “Fail” por uma simpatia irresistível pelo ruído estridente, uma ladainha  simultaneamente incômoda e confortável.





“Gang Gang Riddim” – DVA (Mad Hatter. Hyperdub, Reino Unido)
























DVA é Leon Smart, produtor londrino que lançou ano passado o subestimado Pretty Ugly pela mesma Hyperdub que edita seu novo EP, Mad Hatter. As quatro músicas indicam uma inclinação ao maximalismo, desdobrando-se em uma série de variações rítmicas, sobretudo no andamento. Dialogando com os beats sintéticos do wonky, particularmente das dinâmicas aceleradas de Rustie, DVA faz de “Gang Gang Riddim” um verdadeiro achado do maximalismo de pista. Duas faixas rivalizam com "Gang Gang Riddim": “Xingfu Lu”, de Kode9 e “Gong”, do Four Tet.





“Konono Ripoff No. 1” – Dan Deacon (Domino USA, EUA)
























A sonoridade estridente, característica do trabalho de Dan Deacon, combinada às kalimbas igualmente estridentes do Konono No. 1. O resultado foi o 7” Konono Ripoff No. 1, composição que Dan Deacon já vinha tocando em alguns shows, e que foi editada em abril por ocasião do Record Store Day. No lado A, os bateristas Kevin O'Meara e Jeremy Hyman. No lado B, a versão instrumental, com Denny Bowen e Dave Jacober. Para Dan Deacon foi uma homenagem ao som grupo. Para nós, uma brincadeira mais do que acertada.





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+ 85 sinistras

“200.2” – Donato Dozzy
“A Cage of Stars” – Phil Niblock
“All Out Of Sorts” – Black Pus
“Amélias Polamilanesas” – Psilosamples
“Atherkal” – Etran Finatawa
“Azmari” – Mulatu Astatke
“Aztec Chant” – Peverelist
“Baby” – Walton
“Black Skinhead” – Kanye West
“Blood On The Cobblestones” (Feat. U-God & Inspectah Deck) – Ghostface Killah & Adrian Younge
“Blue Dub” – Moritz Von Oswald Trio
“Boarder” – Bambounou
“Calango” – Fudisterik
“Capetinja” – Porto
“Casamance” (with Ale & Khadim Mboup) – Jeri-Jeri
“Collision” – Demdike Stare
“Dankou” – Bassekou Kouyaté et Ngoni Ba
“De Donga à Doca” – Sombrinha
“Dew” – Ceticências
“Dismantle” – Morphosis
“Dream Phone VIP” – E.M.M.A.
“Electric Funk” – Traxman
“Eras” – Juana Molina
“Feel Beauty” – The Cyclist
“Finger Back” – Vampire Weekend
“Friday Mighty”  Deep Listening Band
“Galera da Laje” – Gang do Eletro
“Get It” – El-P + Killer Mike 
“Gong” – Four Tet
“Hard Love” – Marina Rosenfeld
“Havoc Devastation – RP Boo
“Ijiraq” – Dawn Of Midi
“In This Rubber Tomb” – Mudhoney
“Jamba” – Tyler, The Creator
“Javelin Unlanding” – Bill Callahan
“João Filipe” – Epicentro do Bloquinho
“Jubilee Street” – Nick Cave And The Bad Seeds
“Judge Jury and Executioner” – Atoms For Peace
“Last Famous Words”  The Ex & Brass Unbound
“Last Mistress” – Body/Head
“Lifetrax” – Florian Kupfer
“Listen and Wait” – Grizzly Bear
“Love Is Lost”  David Bowie
“Madwoman” – Cut Hands
“Makeshift” – The Cyclist 
“Manabadman” (feat. Spikey Tee) – Mark Pritchard
“Marching Time” – Gabriel Saloman 
“Montparnasse Derailment” – Ikue Mori & Steve Noble
“More Games” – Kowton
“Nah Ina It” – Paul St. Hilaire
“Niamey Jam” – Bombino
“Norbat Okelo” – Owiny Sigoma Band
“Nothing Is” – My Bloody Valentine
“Nozes” – Nanã Parú, Peter Gossweiler, Diego Dias
“Only 1 U” – M.I.A.
“over.load” – Frank Bretschneider 
“Pipocalipse” – Satanique Samba Trio
“Psychic Conspirators” – John Zorn
“Punk Authority” – Pete Swanson
“Q.U.E.E.N.” (feat. Erykah Badu) – Janelle Monáe
“Radar” – Marcel Dettmann
“Rollin’” – DJ Rashad
“Shading” – Senking
“Shoulda Rolla” – Pinch & Roska
“Sim Mestre + Kayoriver” – Vermes do Limbo
“Símbolo Sexual” – Passo Torto
“Slasherr” – Rustie
“So Pale It Shone in the Night” – The Stranger
“Spl9” – Autechre
“Still Life” – Oneohtrix Point Never
“Sun & Water” (feat. Lillian Blades) – Lonnie Holley
“The Death Of The Real” – Hacker Farm
“The Vastness Is Bearable Only Through Love” – Ensemble Economique
“Tiao Yue” – Chinese Cookie Poets
“Tunnel Vision” – Justin Timberlake
“Vem me colocar só um pedacinho” – MC Beyoncé 
“Voodoo and the Petrified Forest” – Rob Mazurek Octet
“Watermark” – Heatsick 
“Wenu Wenu” – Omar Souleyman
“What falls to the ground” – James Ruskin
“Where Do We Go From Here” – Charles Bradley
“Wipe” – µ-Ziq
“Worst Illusion” – Jam City
“Would I Whip” (Without Noticing) – Fire! 
“Xingfu Lu” – Kode9

sábado, 7 de dezembro de 2013

Elementos Arcaicos: à conversa com Stephen O’Malley























Como se alimenta a imaginação dos artistas? Como se estabelecem os métodos particulares dos grandes criadores? No caso de Stephen O’Malley, americano de Seattle, — e, creiam-me, estamos a falar de um grande criador! — esta equação não parece tão distante ou intangível. “Sempre fui fascinado por ouvir música, acho que é provavelmente a minha principal fonte de inspiração”, declarou à FACT Magazine PT, em entrevista por telefone. Músico, compositor e designer, O’Malley desembarca no Brasil esta semana para uma única apresentação no Sónar São Paulo, com seu projeto drone, o KTL. Uma oportunidade de ouro para assistir a um dos artistas mais prolíficos e decisivos do ainda jovem século XXI.

Aos 37 anos, O’Malley acumula um volume de produção monumental, que ultrapassa uma centena de discos. Como líder, criou bandas que desafiaram os limites do metal, o redefiniram como gênero e expandiram suas fronteiras: Sunn O))), Burning Witch, Khanate e o próprio KTL. Como membro, participa de projetos igualmente desafiadores como o Æthenor, sem contar as colaborações com Merzbow, Nurse With Wound, Boris, Jim O'Rourke, Oren Ambarchi, Melvins, entre outros. Sob a influência de uma banda conterrânea, o Earth, O’Malley adquiriu reconhecimento explorando nuances do metal, incorporando dark ambient, doom, drone e rock psicodélico às texturas rascantes das guitarras headbangers, tingido-as de um caráter cerebral e sombrio. Tal inclinação à experimentação, no entanto, alinha-se a uma percepção muito particular da música e do som:

“Ao longo dos anos, percebi a música como uma forma tradicional de comunicação e arte, passada através de gerações que, de alguma forma, continuaram explorando certas ideias musicais. Algumas idéias são novas, mas um monte de idéias estão presentes em manifestações fundamentais como o ritual, a cerimônia social, a atividade extra-consciente. Trata-se de um atavismo da natureza humana, elementos arcaicos que tem a ver com a necessidade de fazer música.”

Sunn O))) – “Alice”



Com o KTL, O’Malley se junta ao inglês Peter Rehberg (mais conhecido como Pita) para lançar-se à experimentação eletrônica, buscando recriar sobre outras bases, o clima soturno dos discos de death e black metal que o acompanham desde a adolescência. A dupla, que iniciou os trabalhos em meados da década passada, lançou em maio seu quinto álbum, simplesmente batizado como V (eMego, 2012). 

“Peter Rehberg e eu lançamos o último disco do KTL em 2009, e desde então, trabalhamos em muitos projetos, como o Pita, algumas instalações de arte e, é claro, concertos do KTL. Na verdade, nos mantivemos em atividade e fomos convidados para trabalhar em alguns estúdios europeus especializados em música eletrônica. Então, o disco resulta de uma variedade de projetos que nos tomou cerca de dois anos. Na verdade, trata-se de um álbum mais ‘democrático’ que os anteriores, e tanto o clima quanto o tom do disco testemunham o que eu e Peter fizemos juntos recentemente.”

KTL – “Phil 1”



Esta variedade se refletiu no resultado final do disco, que foi gravado em estúdios tradicionalmente ligados à música eletrônica europeia, como o EMS, em Estocolmo e o Meccas GRM, em Paris. Assim, V é talvez um dos trabalhos mais elaborados da dupla, trazendo consideráveis variações de abordagem e composição entre as cinco faixas, ora remetendo ao clima carregado dos trabalhos anteriores, ora dialogando com as dissonâncias e sonoridades eletroacústicas presentes na obra de Gÿorgy Ligeti e Eliane Radigue. A escatológica “Last Spring: A Prequel”, por exemplo, repleta de diálogos em francês, advém do trabalho de Rehberg e O’Malley com a coreógrafa e diretora de teatro Gisèle Vienne, ao passo que “Phil 1” se aproxima das experiências anteriores, dedicadas à exploração dilatada dos drones. Mas o carro-chefe reside na participação do compositor e produtor islandês Jóhann Johanson na apocalíptica “Phil 2”. Johanson compôs a orquestração da faixa e convocou a Filarmônica da Cidade de Praga, conduzida por Richard Hein, realçando o ambiente lúgubre com uma pletora de detalhes.

“Quanto a Jóhann, sempre conversamos a respeito de trabalhar juntos, e achamos que agora era a hora certa. Ele fez um arranjo para esta peça em um dos estúdios em que trabalhamos e tivemos a oportunidade de gravar com uma orquestra. Trata-se de algo muito difícil de se fazer, e por sorte tivemos esses recursos. Não estou certo de que poderíamos arranjar esta música… Certamente não faríamos o arranjo para orquestra, mas até mesmo a produção do arranjo...”

Sobre como pretendem levam esta diversidade para os palcos e, particularmente, como conduzirão o concerto no Sónar São Paulo, O’Malley demonstra a intenção de abordar sonoridades divergentes:

“No último concerto que fizemos em Moscou, no mês de março, resolvemos improvisar sobre a estrutura de uma peça antiga, composta em 2007. Não fazíamos isso em uma apresentação há muitos anos! Quando você toca em um festival como Sónar, onde há tanta música ambient e eletrônica no programa, bem como um tipo de música mais baseada no ritmo… Bem, Pete e eu provavelmente faremos algo completamente diferente (risos). Pode ser mais black metal, mais pesado... Estou apenas estimando...”

Não há dúvidas de que seu métier é a música, muito embora manifeste habilidades que não se resumem ao universo musical. Além de percorrer com desenvoltura o espectro de expressões artísticas de nosso tempo, como instalações, performances, design e experimentações de toda sorte, O’Malley foi designer de numerosas capas de disco (Onehotrix Point Never, Boris, Earth, etc.), elaborou peças e instalações com a já citada coreógrafa Gisèle Vienne, o escultor americano Banks Violette, o performer ialiano Nico Vascellari, o coletivo suíço KLAT e o cineasta belga Alexis Destoop. Não pairam dúvidas quanto ao aspecto imagético, quase cinematográfico — e, com certeza, dramático — que perpassa todos os seus trabalhos, mas ele acrescenta:

“Uma das coisas mais interessantes da música é que você pode entrar em contato com ela de muitas maneiras, não apenas através da audição ...  Sempre pensei a música como um dispositivo visual, mas também ‘físico’. A música não é simplesmente direcionada para os ouvidos, parte de seu poder de atração advém do fato de que ela estimula a imaginação de maneiras diferentes. Me surpreende o fato de que as pessoas possam ser estimuladas pela música que eu faço, mantendo uma relação ‘visual’ com a escuta. Porém, a grande ilusão é que a audição é um sentido isolado! Pois ela tem a ver também com o toque e a visão.”

Na carreira de O’Malley, a improvisação ocupa um lugar de destaque, desempenhando talvez o papel extático, “extra-consciente”, que ele reivindica para as manifestações musicais. No ano passado, o artista se apresentou completamente sozinho em uma venue em Jerusalém chamada Uganda. Desta apresentação, resultou uma fita cassete de quarenta minutos batizada Romeo, e editada pelo selo Ideologic Organ. O artista nos falou sobre como é estar em um palco completamente sozinho:

“Evitei improvisar sozinho em público por um longo tempo. Na verdade é muito assustador, porque basicamente você explora seus próprios limites. Em grupo, há uma estrutura, você pode se resguardar em suas próprias limitações. Às vezes, se você está improvisando algo que não é realmente bom, você pode se escorar em alguém como Steve Noble (risos). Quando você está improvisando por si mesmo, está nu e exposto. Sobre um projeto solo, a pergunta que me vem à cabeça é: ‘isso vale a pena não para mim, mas tem valor para a experiências das pessoas?’ Improvisar com as pessoas implica em alguma forma de comunicação, mas quando você está sozinho é outro exercício. É como assistir ao crescimento de uma personalidade. Não é que não seja prazeroso, trata-se de um desafio interessante.”

Stephen O’Malley – Ao vivo em Gênova



Pergunto a respeito da guinada considerável do Æthenor, que além de Daniel O’Sullivan e O’Malley, contou em seu último trabalho, En Form For Blå (VHF, 2011), com Kristoffer Rygg e com o baterista Steve Noble (parceiro de Derek Bailey, entre outros), com quem O’Malley dividiu recentemente o acachapante St. Francis Duo (Bo’Weavil, 2012). A mudança se deve não somente à inclusão momentânea do baterista, mas também a outros fatores.

“Em primeiro lugar, o Æthenor nunca foi realmente uma banda direcionada para as apresentações. Na verdade, fomos convidados para tocar em um festival, cerca de três ou quatro anos atrás, e Daniel O'Sullivan, que é como o líder da banda, trouxe Steve Noble para o projeto. Foi a primeira vez que tocamos juntos ao vivo e, é obvio que passou a soar diferente, porque é uma outra coisa. Os três primeiros discos do Æthenor são basicamente produções de estúdio, e falando por mim mesmo, tenho muito pouco a ver com esses discos, é algo que eu honestamente não domino. Quer dizer, eu sei quais são as partes em que eu estou tocando (risos)… Mas quando começamos a tocar ao vivo, aí a coisa ficou real, pelo menos para mim. Então, é um tipo diferente de projeto. Noble já não esta mais envolvido no Æthenor, mas, de certo modo, houve sim uma segunda geração do grupo que contou com sua presença. Ora, tocar com Steve Noble foi um prazer, e sempre que conseguimos cumprir uma tarefa diferente em conjunto é realmente estimulante!”

Stephen O'Malley, Steve Noble @ Cafe Oto 18.08.10



Para finalizar, pergunto a O’Malley a respeito do selo Ideologic Organ, distribuído pelo Mego de Peter Rehberg. Como se não bastasse sua hiperatividade como artista na música e nas artes visuais, o autor é o responsável pela curadoria e a programação visual do selo. Desde 2007, o Ideologic Organ se dedica a lançar trabalhos de O’Malley e companhia, mas também a desvendar autores misteriosos como Ákos Rozmann e Eyvind Kang. Trata-se de um trabalho em progresso, segundo as palavras de O’Malley:

“Estou tentando descobrir qual é o conceito do selo. Acho que trata-se de uma composição conceitual. Você pode ter Ákos Rozmann, que é um compositor eletrônico, e algo como Sunn O))), trabalhando em um mesmo universo. E ainda assim, tento descobrir que tipo de universo remete ao conceito do selo. Acho que ainda estamos longe de defini-lo. Estamos ainda definindo a identidade visual, trata-se de um selo diferente de todos nos quais já trabalhei. Demora um tempo até que se consolide uma identidade.”

Bernardo Oliveira
Entrevista publicada em 09 de maio de 2012 na edição portuguesa da revista eletrônica FACT Magazine.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

“memorable and forgettable”: notas sobre o silêncio ensurdecedor























_o hábito, como a fortaleza do gosto, nos leva a crer que o ruído interfere a fluência do ecossistema sonoro no qual estamos imersos. como é possível então compreender a frase de david toop, segundo a qual “o silêncio é uma espécie de ruído”? o regime de tolerância sonora ao qual estamos habituados produz a falsa sensação de estabilidade, de forma que qualquer corpo estranho induz à sensação de interferência. neste regime, alguns sons são estraga-prazeres, tornam-se corpos estranhos e ameaçadores, pequenas interposições entre nossos hábitos e a cornucópia sonora que transborda dos gadgets eletrônicos, dos meios de transporte, do som das máquinas, dos cientistas do ritmo. o hábito naturaliza de forma particular alguns desses sons, atualizando-os na escala de aceitação e tolerância do gosto médio vigente. a mobilidade da percepção é capaz de embaralhar o sentido estático que a linguagem pretende impor à experiência, produzindo o costume.

_em 2013, por exemplo, kanye west, m.i.a. e justin timberlake se utilizaram de sonoridades que há alguns anos não seriam toleradas na faixa comercial. a noise music não é algo tão recente, mas começa agora a figurar pelas bandas cariocas a ponto de recebermos agora em dezembro um festival de música de “ruído” (organizado por j-p caron e cadu tenório). por outro lado, acostumamo-nos a pensar o ruído, o barulho, como uma matéria que além de produzir interferência, se exprime em altos volumes. entretanto, o mesmo indivíduo que se aflige com o ruído, que não se deleita com a chamada noise music, tolera muitas vezes os altos volumes que caracterizam a masterização do cinema e da propaganda contemporâneas. este alargamento indica que som, silêncio e ruído são conceitos relativos, em perpétua mobilidade no plano do sentido e da experiência. o silêncio é uma espécie de ruído, na mesma medida em que o ruído pode se manifestar como uma espécie de silêncio.

_a bossa nova e, particularmente, a música de joão gilberto, foram encaradas na maioria das vezes pela historiografia e pela crítica musical brasileiras como uma operação sobre o tecido estável do silêncio. john cage e chet baker são evocados quando se fala de joão gilberto, mas para toop, joão gilberto é um “noiseiro” por definição. os ruídos produzidos por sua instrumentação e dicção singulares não são poucos, nem imperceptíveis: o dedo que se arrasta sobre as cordas do violão, a variação de volume e dinâmica na suspensão das cordas, os estalidos produzidos pela boca, gerados pelo descolamento da língua no palato, os ruídos interjetativos que ele interpõem entre os versos como forma de ressaltar o balanço do violão. ruídos em volume baixo, que se interpõem entre a sensação de estabilidade e o desgosto pela interferência, ambos destituídos da significação imprecisa que a linguagem lhes confere. para além do ruído e do silêncio, há a experiência.

_a música hoje não é somente “experimental” porque o artista supostamente trilha caminhos desconhecidos ou porque o publico é desafiado, desviado do costume. a arte nos últimos duzentos anos, mesmo a arte produzida no âmbito da cultura de massas, é experimental por definição, desprendendo-se da representação mágico-religiosa e ramificando-se sobre a diversidade da indeterminação individual. não se explica ou se reduz conceitualmente a classificações e categorias, nem se deixa penetrar simplesmente pela densidade discursiva. pensar/produzir/fruir música hoje é uma operação complexa e ao mesmo tempo automática, comunhão irregular entre o singular e o coletivo que reinvindica violenta e incessantemente a experiência de imersão. um plano de comunhão onde autoria e fruição se embaralham de forma definitiva.



















_na última quarta-feira, dia 04 de dezembro, recebemos no rio de janeiro a apresentação de david toop ao lado do trio carioca chelpa ferro no festival novas frequências. momentos nos quais pudemos presenciar a prática, a demonstração exuberante do caráter imersivo no qual esta submetida a música — e a arte — contemporânea. não se trata de algo que se possa atribuir a qualidade de “vanguarda” ou avant-garde, como que para distingui-la da cultura de massas; também não se pode falar de “música experimental”, tamanha a precisão dos gestos, dos movimentos, da execução. precisão esta que já não é fruto de experimentação, mas do adensamento progressivo de certas práticas, usos, conexões, sentimentos. durante a apresentação, lembrei por diversas vezes do que certa vez me disse fernando torres, artista e curador, responsável pela espaço/loja de disco plano b, na lapa: “eu não faço música experimental, pois sei exatamente o que estou fazendo.”

_imerso em absoluto silêncio, toop se movimenta pelo palco. encontra seu assento e saca o violão. dedilha uns acordes e interage com os sons que são emitidos por seu lap top. arranha a pele de uma caixa de bateria com gravetos, quebra-os, esmaga-os, minúcias sonoras captadas por um microfone ultra-sensível. o computador prossegue emitindo uma gama sonora indistinta, que tanto pode ser resultado de síntese digital, gravações de campo, sons naturais ou library music. duas flautas, uma guitarra preparada tocada com gravetos e baqueta de feltro, miuçalhas (moedas, pequenos sinos) completam seu aparato instrumental. texturas, diálogos improváveis entre ruído e silêncio, silêncio e ruído embaralhados, reavaliados em um horizonte que já não pode ser reduzido ao âmbito “sonoro”, mas extrapola a arte e se traduz no corpo, nos afetos, nas imagens, ate mesmo no paladar…

_com seus instrumentos “inventados”, o trio carioca chelpa ferro contribuiu decisivamente para aumentar a densidade sonora e o sentido abrangente da experiência de improvisação proposta por toop. luiz com sua guitarra tocada à moda de uma cítara; sergio utilizando primeiro o ebow, e depois um instrumento indiano apelidado como “bina”; barrão tocando o “ruim”, uma lata de lixo com cordas de cello amplificadas executada com o arco. uma intervenção suave e perspicaz de um trio capaz de criar espessas camadas de ruídos, mas que embarcaram na onda de toop, optando pelo diálogo com a fluidez acidentada da “toopografia”.




_silêncio e ruído são categorias móveis, operadas no amplo horizonte sonoro elaborado por toop e o chelpa. densidade é a palavra, mas uma densidade que não se deixa reduzir sobre nenhuma certeza discursiva. a música de chelpa e toop reivindica do ouvinte a entrega, a comunhão a que me referi acima. o espectador carregado de certezas quanto àquilo que pensa e sente a respeito da música ou do som, se viu obrigado a deixá-las de lado por uma hora e dez minutos. uma apresentação memorável e, ao mesmo tempo, “esquecível”, como ressaltou o próprio toop, logo ao sair do palco. memorável pela experiência, pelo teor demonstrativo, pela beleza exuberante. “esquecível” por nos jogar de forma implacável no oceano do som.

Bernardo Oliveira
Fotos: Eduardo Magalhães | I Hate Flash

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Às vezes mil, às vezes um: Submarine Records 15 anos

Arte: John Herndon























O texto abaixo não se resume a uma entrevista. Trata-se mais de um relato de sobrevivência, narrativa autobiográfica ou memórias (quase) involuntárias. Conta em detalhes as peripécias, articulações e realizações da Submarine Records, selo que nasceu há 15 anos na ponte entre São Paulo e Minas Geraes. Sob a direção dos mineiros Frederico Finelli (37) e Angela, a Submarine se organiza de forma independente e estratégia própria, fazendo valer a máxima punk “faça você mesmo” como poucos na seara dos selos alternativos brasileiros.

Digo “como poucos”, porque a Submarine não cresceu somente em termos comerciais. Nem chama a atenção somente pelo êxito do modelo de organização em um ambiente asfixiante como o mercado para música no Brasil. Para medir a importância do selo, é necessário observar que a Submarine cresceu conforme seus artistas foram se destacando pela concepção musical. Não seria exagero afirmar que a atividade dos artistas ligados ao selo acrescentou outras sonoridades à música brasileira, particularmente no que diz respeito à chamada “música instrumental”. Trata-se uma evolução em conjunto, organização, independência, pesquisa, trabalho, amor e obsessão pela música.

Casa da banda paulistana Hurtmold e projetos derivados (MDM, Bodes & Elefantes, M. Takara), foi através do trabalho da Submarine que se pavimentou a ponte transnacional com o jazz/rock de Chicago, através da presença Rob Mazurek (São Paulo Underground e solo) e do trio The Eternals. A confluência do post-punk-rock harmônico do Hurtmold com a cabeça aberta do jazz-rock de Chicago resulta hoje em uma das mais reconhecidas vertentes do jazz contemporâneo. Com um vocabulário que abrange muitas influências e estilos, que vão desde a muitas cores da música brasileira até o noise japonês, foram responsáveis por discos fundamentais, incontornáveis para aqueles que pretendem compreender e debater a música no Brasil do Século XXI. Me refiro a discos fundamentais do Hurtmold, São Paulo Underground, Bodes & Elefantes, MDM, Maurício Takara, Rob Mazurek, entre outros.

Desde 2008, Fred e Angela também dirigem a agência de booking Norópolis, responsável pela organização de concertos com artistas do selo, tais como como o punk cerebral do Elma, os ruídos abstratos do Objeto Amarelo ou a brutalidade do Test, além de colaborações com Pharoah Sanders, a dupla Spectralina (Dan Bitney / Selina Trepp), e com artistas que fazem a cabeça dos produtores como Roscoe Mitchell, Kevin Drumm e Matana Roberts. Vale notar que teremos quatro apresentações do Tortoise em São Paulo entre os dias 12 e 15 de dezembro.

As comemorações começam neste domingo, 01/12, na Serralheria em SP, em um show que reunirá MDM Duo, Objeto Amarelo e Guilherme Granado e seguem hoje, sexta 29/11, com Elma no Festival Eletronika 2013 em Belo Horizonte, São Paulo Underground na Sala Olido em São Paulo (grátis) e no Festival Novas Frequências/RJ na próxima sexta (06/12). Dia 07 de dezembro, será lançado o vinil de Mils Crianças, último disco do Hurtmold (veja aqui). E, pelo que Fred nos conta, ainda há muito por vir.

Bernardo Oliveira

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Fred Finelli. Foto: Guilherme Granado.


























PRIMÓRDIOS

A Submarine começou baseada numa idéia de colocar na rua produções musicais que eu gostava. Era 1996/97, eu editava um zine (Needle) e estava muito envolvido com o mundo da música independente/alternativa, louco com a constante troca de informações, o vai-e-vem de fitas cassetes, vinis e cds independentes. Tudo era feito através de cartas (entrevistas, trocas de materiais como zines e k7’s). A noção de tempo era outra. Às vezes você levava dois meses pra enfim conhecer tal banda. Lembro de fazer divulgação de shows por correspondência, mala direta em carta social (na época custava um centavo cada). Essa mala direta era construída de forma impressa e manual. Ficava na banquinha de materiais ou na porta dos locais de shows pra quem quisesse se cadastrar, daí eu levava pra casa aquela papelada e “passava a limpo”, tentando entender as letras das pessoas! (risos). Frequentando mais e mais shows na época, aumentando os contatos e amizades, com a cabeça fundida pelo Fugazi/Dischord Records e, logo na sequência, pela cena de Chicago (Tortoise, Isotope 217, Chicago Underground, The Eternals), a coisa foi se formatando na minha cabeça. Em 1998 eu dividia meu dia entre a faculdade de comunicação, o trampo de funcionário público e ainda tentando entender como era ser pai aos 22 anos.

E em volta disso tudo uma energia enorme pra “fazer coisas” (relacionadas a esse mundo da música independente), misturado também a uma certa inocência/romantismo em alguns sentidos (coisa de quem está tateando as coisas na vida, se apaixonando a todo instante...). E isso, de certa forma, foi uma mola propulsora para dar vários passos. Nessa época eu já estava há alguns aninhos comparecendo a shows, escrevendo resenhas de cassetes/cds/vinis, que, claro, lendo hoje eu morro de rir de muita coisa que escrevi! Faz quase 20 anos, mas acho que extamente isso fez a coisa andar de forma natural e simples também. Porque o sentimento principal era, “porra, tomara que mais gente ouça, mais gente goste, e quem sabe uma hora a gente vê isso ao vivo”. A cultura de ir nos shows era tudo, eu tenho algumas recordações que sempre me brilham os olhos. A sensação de ir num show e conseguir pegar uma demo tape e depois ouvir, trazia uma sensação indescritível, era muito bom! E até hoje quando trombo algumas pessoas, elas falam, “caralho Fred, ouvi tal banda por causa de uma resenha ali no Needle”, daí acho que no fim valeu muito a pena, e os zines foram uma escola maravilhosa, onde fiz muitas “amizades” por carta.

Em 2004, se não me engano, eu tava na Galeria do Rock e entrou na loja o Otto (Força Macabra/Selfish; Finlândia). Eu não o reconheci visualmente até ele se apresentar como tal. Virei pra ele e disse, “lembra de uma entrevista tal assim assado de, sei lá… 1995?! Então aquela carta lá era de um zine que eu colaborava!” Você tinha que ver a cara dele, brilhão nos olhos! Isso não tem preço. Tenta imaginar uma entrevista, por carta, pra Finlândia... O tempo que não demorou o processo todo! Era muito carinho com essa coisa toda, não tava separado da sua vida, blocado, você já estava ali vivendo aquilo. Então acho que a coisa passa por aí, um envolvimento que foi rolando, assistindo shows, fazendo amizades, a coisa dos zines, ajudando a promover shows independentes, ajudando a divulgar e daí a idéia de ter um selo pra tentar editar algumas coisas.


Hurtmold em BH, 2000. Foto: Fred Finelli.





















SUBMARINE RECORDS: O INÍCIO

A história do selo propriamente dito se inicia em Belo Horizonte a partir do momento que eu começo a ter mais contato com selos nacionais e sul-americanos. Beleza, a gente tinha infos, catálogos e discos de selos de fora (Dischord, SST, Allied, K Records, Epitaph, Dr. Strange, Doghouse, Lookout, Touch and Go, Thrill Jockey, Sub Pop, Jade Tree, Polyvinyl, Matador, entre várias outras...). Mas não era a mesma coisa de você trocar uma idéia direta com quem levava o selo, a proximidade e tudo. Afinal a internet ainda não estava tão presente.

E por aqui eu já tinha uma relação muito próxima com o pessoal da Spicy (selo do Rafael Crespo e do Marcelo Fusco, Tube Screamers/Againe/Auto), responsável por editar CDs, cassetes e vinis de bandas como Garage Fuzz, Againe, Pin Ups, Polara, etc. Na Argentina eu tinha contato com um pessoal muito ativo naqueles tempos: a Sniffing, a 72 Records, o Nekro do Fun People. E me marcou muito o trabalho da 72 Records, tinha umas bandas “esquisitas” que eu adorava e a parte estética dos títulos era muito foda. E por aqui a Spicy era o que eu curtia, porque eu gostava das bandas e também eram bons nas artes dos discos, catálogos. Fora a energia em torno disso tudo, eu adorava aquilo, até hoje tenho algumas embalagens/pacotes de discos da Spicy enviadas pelo correio em caixas de esfiha! (risos)
Então, em 1998, bolei a idéia da Submarine Records, que começaria as atividades com uma coletânea com bandas nacionais que eu gostava e que não tinham nada lançado em CD. Iria pinçar e convidar algumas bandas do exterior pra compôr o lançamento. Fiz os contatos, juntei uma graninha pra masterizar, prensar e mandei bala. 

Daí na virada de 1998/1999, recebia na minha casa 1000 cópias da coletânea Some Songs, Some Places, Some Feelings, o SUB001. Coletânea lançada, dei uma cota pra cada banda e o restante era vendido em shows e via correios por 8 reais. O sistema era daquele jeito punk que aprendemos, dinheiro escondido em carta registrada e envelope escuro. O dinheiro poderia ser colocado em papel carbono também pra ajudar a ficar ainda mais camuflado. Divulgação: principalmente permuta com zines e flyers espalhados em correspondências. O tempo foi passando e comecei a receber um voluminho de pedidos pelo correio. Cada pacote que era feito e despachado era uma alegria imensa, tipo, “porra, as pessoas estão querendo ouvir!”

Em 1998/99 esta coletânea poderia ser considerada meio “tortinha”, já apontava para um caminho menos reto musicalmente. Minha idéia era tentar fugir das caixas de acrilico, coisa que eu nunca gostei nos CDs. Assim, acabamos também tendo uma certa identidade estética com os envelopes de papel. Enquanto a coletânea ia saindo, se espalhando, eu já estava sentindo que a coisa estava se movimentando. O dinheiro investido na coletânea voltando (devagar, mas rolando) e eu já podia pensar num próximo passo, de repente em um primeiro artista por assim dizer.



"O sistema era daquele jeito punk que aprendemos, dinheiro escondido em carta registrada e envelope escuro. O dinheiro poderia ser colocado em papel carbono também pra ajudar a ficar ainda mais camuflado. Divulgação: principalmente permuta com zines e flyers espalhados em correspondências."


HURTMOLD

Em 1999 eu estava em SP num fim de semana e fui com o Fusco em um show na Pamplona. Ali dentro o Maurício Takara me tromba e fala “Fred, aqui a demo da minha banda nova, chama Hurtmold, ouve aí”. Eu conhecia o Mau mais como irmão do Daniel Ganjaman, e pelo fato de terem começado o Estúdio El Rocha. O Ganja na época tocava no Page 4 (banda que saiu na coletânea da Submarine), Strada, Single Tree, entre outras várias. O Mauricio é o mais novo dos irmãos Sanches Takara e era baterista do Small Talk. Se não me engano era 1997, eu estava na produção de um show do Single Tree em BH e o Mau foi com a banda de mascote. Ele ficou na banquinha vendendo as demo tapes das bandas dele e dos irmãos.

Com a demo do Hurtmold na mão, voltei pra BH ouvindo a fitinha no busão. De repente, um “fudeu” me atingiu a cabeça. O Hurtmold também é de 1998 e era formado por membros ligados ao hardcore/punk rock. Por ironia do destino estavam na mesma viagem musical que eu estava. Lembro que cheguei em BH e falei de imediato com o Fusco por telefone: “cara, o Maurício me passou a demo da banda nova dele, o Hurtmold, puta que pariu, é muito bom isso”. Daí já botei fogo no Fusco, perguntei se ele não toparia lançar essa demo tape em parceria num fomato em cassete prensadinho com a Sub. O Fusco já retornou positivamente. Daí passou um tempo e lançamos juntos (Submarine/Spicy) o cassete do Hurtmold, 3am: a fonte secou (SUB002). Era a demo tape original Everyday Recording, mais quatro faixas novas, que deram o tom a este lançamento. Prensamos as fitinhas em fábrica, 300 cópias e vendíamos a 3 reais no mesmo esquema: correspondência, shows.

No mesmo ano, o Hurtmold tocou pela primeira vez em BH e tive a oportunidade de enfim vê-los em ação. Foi um dia muito foda! Uma molecada com muito apetite em cima do palco, se alternando nos instrumentos. O Maurício nem tocava bateria direito na banda, ele tocava mais guitarra. O Chankas era o baterista. Sei que quem estava lá no Butecário esse dia saiu feliz, foi um belo show! As pessoas rodeando a banquinha comprando as fitinhas. Era uma sensação maravilhosa de estar fazendo alguma coisa, a energia indo e voltando, era a certeza de que estávamos juntos num caminho. Qual, não dava pra saber, mas algo estava rolando.

Paralelamente, com o fim do Page 4 (banda que saiu na coletânea), o ex guitarrista, Cláudio (IML, Intense), se juntou com o Richard Ribeiro (Echoplex, Porto) e o Sergio Ugeda (Debate, Amplitude Records), formando o Diagonal. No começo o Mauricio (Takara) chegou a tocar baixo na banda e posteriormente ele deu lugar ao Edmundo (Small Talk). O Diagonal era outra banda que eu adorava e convidei pra também lançarem um cassete pela Sub. Rolou tudo bem e foram prensados 300 cassetes do Diagonal, Detouring Track (SUB003). A minha idéia com os cassetes era lançá-los como um primeiro trabalho, pra daí emendar com um álbum na sequência. Era uma idéia que pra mim fazia sentido, mas nem sei na verdade a eficácia disso (risos). Bom, fitinhas do Hurtmold e Diagonal na rua, o selo começando a criar um catálogo de fato, as duas bandas tocando, estava lindo.







PRIMEIRO DISCO

Virada de 1999 pra 2000. Conversando com o Hurtmold eles me disseram que estavam com o primeiro álbum em processo de gravação. Pra mim seria o momento de enfim termos o primeiro debut CD no catálogo do selo. O Hurtmold estava voando, tocando frequentemente no circuito underground paulistano e já fazendo um segundo show em BH, numa situação maluca, que foi substituindo o Diagonal aos 44 do segundo tempo. O Diagonal teve que abortar o show em BH por questões pessoais de um dos integrantes da banda e lembro que liguei pro Mau, sei lá, dois dias antes do show e ele respondeu “beleza, vamos nessa!” Os caras se agilizaram, chegaram na rodoviária e eu felizão olhando pra cara deles, tipo, “puta merda, esses moleques são cascudos”. Show foda em BH, dueto de escaleta e o caralho, um cara junto com eles chamado Brian, que ajudava no palco e tirava fotos. Nessa época eu também fotografava e a gente logo já se enturmou trocando idéia de fotografia, pirando obviamente no Glen Friedman e no Pat Graham. (risos)

Alguns meses depois fui pra São Paulo encontrar o Fusco novamente, estávamos trabalhando no quarto título da Submarine que seria um compacto 7” da banda punk rock Againe, Sem Açúcar (que era a banda dele) e que eu sempre fui um fan. E a Submarine lançou essas quatro músicas numa arte com capa silkada manualmente e carimbos. Este era o SUB004. Em São Paulo liguei pro Mauricio e marcamos na casa da Spicy uma conversa sobre o primeiro disco do Hurtmold. Eu tinha falado com o Fusco sobre lançarmos juntos também o CD, mas na época a Spicy estava com outros títulos em marcha e daí o disco sairia pela Submarine apenas. O Sub 005, Et Cetera, do Hurtmold.



Pensando hoje, a conversa na casa da Spicy foi bem engraçada. O Gui (Guilherme Granado) também colou nessa conversa. Eu ali falando, os caras rebatendo. Mas era uma coisa que no fim se resumiria assim, “beleza essa idéia toda, e blábláblá, mas a gente já sabe que tá todo mundo afim de trepar vai!” (lançar esse disco). Sei que fechamos um corre legal, uma cota boa pro Hurtmold, que estava com o disco prontinho. E a tentativa era sempre pensar em buscar equalizar tudo, de forma a ficar confortável pra todas as partes e irmos caminhando. E assim foi! 2000 saía o primeiro disco do Hurtmold. O show em BH, me lembro até hoje do clima. Como eu queria ter isso registrado! Mas é um ponto que eu pequei, praticamente não tenho registros dessa época.

Foram dois shows em BH num fim de semana. O primeiro no Matriz, cheio, show poderoso e “pra variar” o Hurtmold já estava tocando quase metade do set de músicas novas. Lembro do Brian subindo no palco e dançando na frente dos caras enquanto tocavam a “Mike Tyson”, que era um som novo, que sairia no Cozido (2002). Era muita energia. No dia seguinte um show no Café do Letras, uma cafeteira pequena, com uma janelona que dava pra rua. Várias pessoas assitindo por esta janela, os caras tocando virados pra essas pessoas, lembrança foda. Esse Café fazia shows mais acústicos de jazz e acho que quando o Bruno (dono do Café) viu o Hutmold chegando ele ficou um pouco tenso. Cinco caras com 20 anos o mais velho, mais o Brian (imagina ele naquela época), a parafernália desordenada que era (escaleta em sacola de supermercado por exemplo) e a gente puxando as mesas do café pra colocar o teclado em cima, etc.. Acho que o Bruno confiava do tipo, “ah falei com o Fred durante a semana, vai dar tudo certo!” (risos). E como deu certo! As pessoas chaparam, o show foi bem legal e no final lembro da imagem do dono do Café abraçando os moleques.

Disco lançado e o Hurtmold começou a aparecer em algumas resenhas bem positivas do disco, começaram a tocar em festivais e assim foi caminhando. O Diagonal, com quem eu queria lançar o primeiro álbum, optaram por lançar de outra forma e seguiram o caminho deles. Nessas, o foco de lançamentos do selo ficou totalmente no Hurtmold entre 2000 e 2003. Em 2002 lançamos o Cozido (SUB006), disco que pra mim colocou definitvamente o Hurtmold no caminho de terem uma “fita” por assim dizer. Começarem ali a buscar uma voz própria, que culminaria na transição para o Mestro (2004).








THE ETERNALS

Mas, antes, em 2003 temos um capítulo importante na nossa história e que acredito ter sido definitivo para firmar a coisa toda até hoje. Em 2003, o Hurtmold tinha algumas músicas (que não eram para um disco, mas um EP). E nessas pensamos em de repente fazer um split CD com alguma outra banda. Em 2000, o Mau passou um tempinho nos Estados Unidos e conheceu o pessoal do The Eternals, banda de ex membros do Trenchmouth. O Mau me deu o toque que tinha visto o show do Eternals, que era foda! Eu conhecia o Trenchmouth, mas não os Eternals. Obviamente não tinha nada direito na internet que eu poderia ouvir e me lembro de imediatamente correr na Motor Music (loja/selo/produtora) de BH, comandada na época pelo Marcos Boffa e o Jeff Kaspar. (Esses caras pra mim são um capítulo à parte em muita coisa que conheci/aprendi, sem contar o grande apoio que eles deram para a Submarine ali no comecinho em BH e depois também).





Cheguei na Motor Music e encomendei o primeiro álbum do The Eternals, o de capa vermelhinha, que saiu pela Desoto/Aesthetics em 2000. Claro, demorou pra chegar, mas como valeu a pena! Ouvi aquele disco e aí estava mais uma banda que fodeu minha cabeça. Beleza, passou aí um bom tempo, chegou a hora de definir este novo lançamento do Hurtmold. O Eternals era o nome a ser sondado. Escrevi pra Aesthetics, selo que lançou o disco deles, propondo e rapidamente retornaram positivamente! Esquema punk como sempre, músicas pra cá, uma quota de discos pra lá, uma graninha mínima de royalties e prensamos 1000 CDs split. Nessas pensamos num passo além: vamos trazer o Eternals pra tocar no Brasil? Era algo dificil de pensar. Como fazer isso? Mais uma conversa com o Mau e o Gui e a coisa começou a se desenvolver. O Rodrigo Brandão (ex- Mamelo Sound System, Ekundayo, Zulumbi, produtor do Festival Indie Hip Hop, Bartuque..) acompanhava o Hurtmold de perto, ele conhecia a banda, os moleques e a Sub (mesmo não me conhecendo pessoalmente até então). Ele também curtia o The Eternals e nessas deu uma força e foi peça fundamental trazendo o trio para um show no Sesc Pompéia. (numa análise mais ampla, o Rodrigo é uma das figuras catalisadoras de muita coisa boa que aconteceu e rola até hoje com a gente). E este seria o show de lançamento do split Hurtmod/The Eternals em SP. E ficaria na nossa mão fazer o restante do corre que seriam shows em BH, Campinas e mais um extra em SP no final. Tudo esquematizado a coisa aconteceu, o Eternals veio, fizeram quatro shows junto com o Hurtmold, lançamos o split, fizemos a tour acontecer. E segui também com o Eternals a partir daí lançando discos deles, fazendo mais tours pelo país (já vieram 5 vezes) e cultivando uma amizade muito classe com eles, que já passam aí dos 10 anos.

The Eternals










MOTOR MUSIC

Pra mim são peças muito importantes no meu crescimento, relação, vivência com música alternativa, selos independentes, shows, turnês, loja de discos. O Boffa e o Jeff foram talvez os primeiros ali que abriram as portas da loja deles para discos da Submarine. A Motor também era produtora de shows e licenciavam e distribuíam/vendiam discos no país de selos como Dischord, Thrill Jockey, Touch & Go, Matador, Fat, etc.. Graças a eles eu pude ver o Fugazi e o Tortoise ao vivo por exemplo. Nossa, o NOFX, não me lembro o ano, 95/96 talvez... e o Seaweed! E ainda Superchunk, Trans Am, Atari Tennage Riot, Stereolab, um projeto bem legal chamado Solitude, etc. Tudo isso foi via Motor Music ou com o Boffa envolvido. Tenho até hoje os ingressos desses shows guardados. Vi o Garage Fuzz lançando o seu primeiro disco junto com o IML numa casinha em BH chamada Antro, porque essas bandas estavam no BHRIF, 1994, Festival absurdo em BH produzido pelo Boffa/Jeff mais algumas pessoas juntamente com a Prefeitura. Teve Fugazi, The Nudes do Chris Cutler, várias outras atrações. Prefeitura essa que era do Patrus Ananias. Foda-se que tô falando disso, política têm me dado muita preguiça ultimamente, mas nessas valeu Patrus também! (risos). Foi o festival de música alternativa mais foda que aconteceu em BH e deve tá sei lá, no top poucos dos mais legais que rolaram no país. Memorável mesmo. E até hoje tenho contato com o Boffa, fazemos alguns trabalhos em parceria (bandas/festivais). E ainda é atleticano, tá tudo certo.

Da última vez que falei com Jeff, faz uns dois anos, ele estava morando fora do país. Mas é isso, só tenho que agradecer esses caras por terem feito tudo isso e continuam fazendo.


ROB MAZUREK

E nessa mesma tour (Hurtmold/The Eternals) acontece mais um episódio bem marcante na nossa vida. Na semana do show das duas bandas em BH, recebi um email de um cara dizendo que era americano, mas tinha uma esposa brasileira e estava passando um tempo em Brasília. E que ele ficou sabendo que os Eternals iriam tocar em BH, que eles eram seus amigos e ele estava indo pra BH pra encontrá-los, ver os shows e nos conhecer também. Beleza, até que eu fui ver a assinatura do email: Rob Mazurek.
Lembro de ficar olhando pra tela do computador sem saber o que fazer. Se eu ligava pro Mau e o Gui, se eu respondia o email com meu “crazy english”, se eu deletava e fingia que não foi comigo. Lembro de ter ficado bem descompensado (risos). O Rob já era uma figura muito importante pra gente naqueles últimos anos. A gente acompanhava realmente de muito perto esse cenário de Chicago (Tortoise, Chicago Underground, Isotope 217, The Eternals), e era uma parada o tanto bizarra pra mim receber aquele email, e numa situação dessas… A minha idéia do Rob era algo distante pessoalmente, mas muito íntima musicalmente. Sei que respondi meio sucintamente o email dele, algo do tipo “vai ser um prazer receber você, aqui está o endereço do hotel onde o Eternals ficará e nos vemos no sábado!”, algo assim (risos).

Chegou o sábado, Hurtmold e Eternals em BH, os encontrei, levei os Eternals para o hotel, o Hurtmold ficou comigo de rolê e ainda iam gravar um videoclipe da “Telê”, som do split antes da passagem de som.

Daí me aparece o Rob com a mesma expressão (que hoje conheço bem), uma espécie de geniosinho folião, extremamente doce e atencioso. Eu ali de ponta cabeça olhando pra ele, meio tentando cheirar o cara e pensando “puta merda”, taí o Rob Mazurek do Isotope 217/Chicago Underground! Sei que foi uma noite absurdamente divertida. Os shows foram muito bons, público felizão, splits vendidos, e acho que definitivamente o Rob ficou meio impressionado com o que viu. Tipo “nossa, esses caras do Brasil fazendo o corre deles, sem bliblibli bobobó, conhecem nossas coisas, dialogam com isso, celebram tudo, sobem no palco e mandam bala”. Sei que no dia seguinte recebi um telefonema dele, que possivelemente entendi 20% do que ele falou. Lembro de agradecer e que a gente se encontraria. Desliguei com o coração a milhão e pensei nossa, Eternals, Rob Mazurek e Hurtmold, tudo em um sábado! (risos)

A partir daí o Rob entra definitivamente na nossa vida né? Começa a conversar com o Mau, com os moleques, mantém contato comigo. Ainda em 2003, o Hurtmold se apresenta em BH no Festival Eletronika, um dos melhores festivais do país na minha opinião (até hoje!), e mais uma boa aparição da banda. Ali começo a sentir que talvez São Paulo fosse meu destino. E em 2003 ainda lançamos o primeiro disco solo do Mau, chamado M. Takara. E me lembro de, por telefone, não o convencer exatamente, mas por uma pilhinha no Mau pra ele apresentar ao vivo o set solo. E a primeira formação ao vivo do M.Takara era duo, ele e o Chankas (Fernando Cappi do Hurtmold). Shows com essa formação entre 2003-2005.


"...recebi um email de um cara dizendo que era americano, mas tinha uma esposa brasileira e estava passando um tempo em Brasília. E que ele ficou sabendo que os Eternals iriam tocar em BH, (...) que estava indo pra BH pra encontrá-los, ver os shows e nos conhecer também. Beleza, até que eu fui ver a assinatura do email: Rob Mazurek."


Rob Mazurek. Foto: melhor que TV.






MUDANÇA PRA SÃO PAULO

Novembro de 2003. Juntando uma grana (até boa) da demissão da Secretaria de Saúde de BH, onde por cinco anos fui funcionário público, mais o seguro desemprego de 6 meses que passei como telemarketing ativo da Tim (e companheiro de trabalho do Porquinho da banda UDR, hahah!), preparei uma ida pra SP no estilo, vou lá ver no que dá. Afinal o Hurtmold estava bastante ativo, o selo caminhando bem e eu tinha ainda a oportunidade de trabalhar com o Fusco na Trezeta, loja de discos que ele montou na Galeria do Rock e que me chamou para partilhar com ele o trabalho. 

Então fui pra SP e dividia meu tempo trabalhando na loja com o Fusco e tocando o selo, corres com o Hurtmold, agora também com o The Eternals e talvez com o Rob Mazurek. 2004, eu estava em São Paulo e ali me adaptando à nova cidade, excitadíssimo por estar próximo do Hurtmold no dia a dia e buscando possibilidades para desenvolvimento do selo. Neste ano sai o terceiro álbum do Hurtmold e quarto registro da banda. E pra mim ficou muito marcado o show de lançamento do Mestro. O show foi realizado na antiga Ritmus (Espaço Gang Music), em Pinheiros, e fizemos tudo, absolutamente tudo neste processo. Alugamos o espaço, fizemos venda de ingresso antecipada na loja, com promoção pra quem já comprava o CD. E era um trampo de formiguinha, pra tipo, com a grana dos ingressos vendidos mais a venda de CDs, cobrir o aluguel do espaço, custos de flyers/cartazes, etc. Me lembro que deu um sold out no show, pagamos tudo, um monte de discos vendidos e aquela sensação de putz, rolou! No mesmo ano acontece mais coisa boa. O Hurtmold é convidado para se apresentar na edição São Paulo do Festival Sónar (evento forte de música contemporânea/avançada que acontece em Barcelona e em algumas outras cidades ao redor do mundo por mais de 20 anos). Esta edição de SP foi sensacional, com nomes que relamente estavam muito frescos naquele momento, muita coisa que a gente adorava e tereia a chance de ver ao vivo! Prefuse 73 (com o John Herndon na bateria), Four Tet, Beans, Pansonic, Liars, El-P, etc. E Nesse show de 2004 em SP, o Hurtmold convidou o Rob Mazurek para participar do show. Em 2005, o Hurtmold volta ao Sónar, dessa vez em Barcelona/Espanha e também dividindo o palco com o Rob, marcando definitivamente a presença dele junto a gente. Até hoje se fala do Hurtmold no Sónar, episódio bastante positivo.





EXPANSÃO DO UNIVERSO SONORO

Os gostos musicais entre esses 2000/2005 estavam sempre baseados no punk e sua gama de vertentes, mas agora focando e se interessando no que estava sendo feito no momento. Eu também estava me ligando desde 2000 numa turma que chamam por aí de Rap Underground e algo mais para produções eletrônicas. Lembro que quando ouvi grupos/coletivos/produtores como Anti-Pop Consortium, EL-P, Cannibal Ox, Prefuse 73, Four Tet, Aesop Rock, Mike Ladd, Autechre,isso deu mais uma fudidinha na cabeça…

E em SP tinha também uma carga gigante de Racionais MC’s no ar. Eu ficava muito impressionado como eles estavam em todo lugar sem estar, entende? Absurdo! Comecei a prestar muita atenção nas letras, e porra, é diferente você ouvir os caras em SP e em BH, por exemplo. É louco a coisa de energia do habitat, como isso influencia imensamente uma expressão, mensagem. Quer queira quer não, os Racionais foram os “faça você mesmo” dos anos 2000. É ou não é? Tudo por eles mesmos, vendendo milhões de discos sem mídia, lançando a mensagem deles num raio imenso. 

Outra coisa: graças a essa turma de Chicago, ao Gui e ao Mau comecei a ouvir com muito mais atenção e diposição o jazz e música instrumental em geral. E até mesmo a música brasileira ficou mais leve. Coisa que não é tão simples quando sua formação de molequinho é pautada por metal e punk rock. Antes tudo isso vinha numa roupagem chatíssima e até meio pedante. E com essa turma acho que fui engatinhando e “aumentando o ouvido” com mais naturalidade e sem policiamentos ou cobranças (mesmo silenciosas) que rolam (pelo menos me parece várias vezes) numa seara mais acadêmica, acho... Acho que conhecer e daí se emocionar de vez com o Coltrane, Pharoah Sanders, Ayler, Miles, Braxton, Sun Ra, Roscoe Mitchell e o Art Ensemble of Chicago e tantos outros através de “punks” foi muito bom e talvez mais libertador pra mim. Tenho essa sensação. 


"Quer queira quer não, os Racionais foram os 'faça você mesmo' dos anos 2000. É ou não é? Tudo por eles mesmos, vendendo milhões de discos sem mídia, lançando a mensagem deles num raio imenso."


NORÓPOLIS

Em 2006 eu saio da sociedade com o Fusco na loja Trezeta, para me dedicar 100% ao selo e aos shows dos artistas da Submarine. Tínhamos regularmente shows do Hurtmold, que começou a abrir portas extra-circuito independente, recebendo convites do SESC SP, SESI, centros culturais, secretarias de cultura, festivais, M. Takara (até 2004/2005), São Paulo Underground já estava rolando (o primeiro disco da Sub é de 2006), o The Eternals já tinha voltado em 2005 para shows e já preparávamos uma nova tour deles pra 2007. A Norópolis surge oficialmente em 2008, em um momento em que eu estava ativo como produtor/agente de bandas do selo desde 2004. Neste ano, começou uma demanda real de shows para o Hurtmold e era necessário alguém cuidar disso. Tentamos por dois shows um agente de fora, não deu certo. Na verdade deu bem errado e ali eu senti que era a hora de eu me meter em mais essa, ser responsável por marcar os shows, organizar agenda. E nessas teríamos ainda mais controle sobre nossas atividades, era bom nunca esquecer do carequinha, né? (Ian Mackaye, risos).

Brincadeira à parte, chega a hora de trabalhar com os shows. Nessas começou também a desabar de vez a coisa de venda de discos ao nosso redor. Dezenas de lojas fecharam, e daí o caminho era buscar os shows e nós próprios fazermos mais e mais a venda dos discos. E continuar firme também o escoamento desses registros via site e pelo correio. E se o show era bom, o preço acessível, as pessoas compravam e compram discos sim. Mas realmente não dava mesmo pra um disco de música brasileira pop custar 30 reais. Não quebrou a gente porque começamos vendendo CDs a R$8 no começo do selo e chegamos no máximo a $15. Em 15 anos!! Atualmente se fala da volta do vinil (grande bobagem, eles nunca se foram, sempre estiveram aí) e são vendidos por aí hoje em dia a $80, $100 reais em lojas. Os nossos chegam no máximo a $40 nos shows e via site/correios + postagem. E temos alguns lojistas parceiros que pegam nossos vinis e ainda os vendem a um preço que é acessível para consumidores de música que preferem adquirir os discos em lojas e não frequentam shows, ou não querem fazer esta compra pela internet.

A Norópolis surge em 2008 e tenho que “culpar” a Angela por isso. Pois eu era um pouco relutante sobre abrir para bandas que não necessariamente eram do selo, eu tinha uma idéia meio pessimista de que não era a mesma coisa a relação e amizade que eu tinha com o Hurtmold e satélites (Mazurek, The Eternals) e obviamente eu não tinha mesmo. Mas a Angela me fez aos poucos entender que ao nosso redor tinham algumas outras bandas que gostávamos e por que não? 

Ok, a Norópolis foi criada nesse 2008, como um booking pra agendamento, venda de shows e divulgação das atividades de todos os artistas ali envolvidos. E nessas acabou que o Elma foi lançado posteriormente pela Sub e o Objeto Amarelo também, em um registro colaborativo com o Rob Mazurek. 





ANGELA E A DIESEL RÁDIO

A Angela é de BH também e a gente se conheceu em 2000. Ela e mais 2 pessoas tinham NAQUELA ÉPOCA uma rádio de internet! A rádio chamava Diesel e lembro dela surgindo, era algo inimaginável para o nosso meio até então. Pensa você poder clicar em um site que abriria um playlist pra você ficar ouvindo vários sons de bandas independentes, e no meio ali uma entrevista com o Hurtmold? Saca? De muitos vou ouvir um “dãã”, mas naqueles tempos, não tinha isso não.

A gente fez alguns trabalhos colaborativos em BH. Entre 2000/2003, eu tinha um projeto no bar A Obra chamado “Projeto Escafandro”, que eram noites mensais com bandas do selo e/ou que tínhamos afinidade, que gostávamos. Foram várias edições com Objeto Amarelo, PexbaA, Space Invaders, Hurtmold, Diagonal, Van Damien, Forgotten Boys, Motosierra, Killer Dolls, Wry, Againe, Elroy, Bosque, Postal, Fuso, Soap Blisters. Tenho muito a agradecer o Claudão Pilha e o Daniel Albinati (Digitaria) por tudo aquilo. Foram anos importantes pra solidificação e identidade do selo, da produção em geral. Nesses shows, a Diesel Radio ia, cobria em vídeo e disponibilizava áudio, vídeo.. . era foda!
Bom, a partir daí a Angela fez o primeiro, segundo e terceiro sites da Submarine. O selo é de 1998 e o primeiro site é de 2000. Daí ela fazia as manutenções, updates dessa parte de web até que em 2003 ela definitivamente entrou na Submarine e estamos aí até hoje na correria. Atualmente ela divide comigo as atividades no selo/Sub e no booking/Norópolis. E, sim, ela odeia sair em fotos!


Fred Finelli e Angela. Foto: Matana Roberts.


























ESTÉTICA, POLÍTICA, ECONOMIA

Cara, é um pouco dificil mensurar esses pontos sabia? A estética do selo é algo pouco pensado, é mais sentido. É sempre baseado no que nos causa (tô falando por mim e a Angela agora) e não no que isso pode trazer se tal coisa for com essa temática x, y. Sempre foi um “foda-se” gigante nesse sentido. A gente é um selo de música, se envolve com bandas independentes que também possuem sua forma genuína de se expressar. E isso sempre será respeitado e levado em conta.

Se você perceber nos títulos lançados, verá que temos uma predileção por capas em papel, as artes dos lançamentos são feitas em sua maioria pelo próprios membros das bandas. Marinho do Hurtmold, Damon do The Eternals, Rob Mazurek, John Herndon (Skull Sessions), etc.

Sobre política, temos nossa forma de fazer as coisas, de pensar né. A idéia básica é fazer sem esperar retorno imediato, e talvez por isso as coisas fiquem um pouco mais leves. Mas é meio por aí, tentar se movimentar ao máximo. Não abrir as pernas pra esquemas que você se sente desrespeitado, não abrir mão dos seus direitos enquanto músico/banda. Não se esquecer que nesse mundo merda que envolve $$, se você não está ganhando, alguém está, salvo casos em que a outra parte realmente é seu cúmplice na atividade, está no mesmo barco de verdade. Então é buscar equalizar essa situação sempre. Acho que a coisa de “na alegria e na tristeza” se adequa bem aqui. Vivemos disso, como consequência de uma caminhada de15 anos, passo a passo, altos e baixos e sempre vai ser assim, sempre. Mas acima de tudo VIVEMOS ISSO. Esse é o ponto pra mim.

Economicamente o que posso dizer é que a gente vive o dia a dia, às vezes mil, às vezes um, daí tem o meio termo e vamos seguindo, como uma música mesmo, uma conversa. E Eu não fico pirando em futuros mil sabe? Minha escolha está sendo essa, pago um preço (de repente da instabilidade financeira, algumas incertezas) mas outras coisas que vivo nenhum dinheiro paga. São as escolhas. O futuro pra mim é hoje, então eu tento dar o máximo. Poxa, meu filho tem 16 anos de idade, está firmão, saúde beleza, curtindo seu skate, estudando, chegando na vida adulta.. estou em paz com isso. A parte econômica é essa aí... meses mais tranquilos, meses apertadíssimos e complicados, e está tudo certo. Sobre o amanhã eu nada sei, né?  


"Vivemos disso, como consequência de uma caminhada de15 anos, passo a passo, altos e baixos e sempre vai ser assim, sempre. Mas acima de tudo VIVEMOS ISSO. Esse é o ponto pra mim."


ROB MAZUREK (2)

O Rob tem um tipo de inquietude que me encanta. Quando chegou nos meus ouvidos as primeiras coisas do Chicago Underground (principalmente o Duo) e o Isotope 217, vou te falar que fiquei meio desorientado. Como falei, tanto ele como essa turma de Chicago me ajudaram muito para que eu ouvisse de forma mais leve essa sonoridade que seja o jazz, a música avançada, minimalista. E foi realmente libertador isso pra mim. Junto com o Rob também uma turma mais ligada ao punk, ao rock mesmo, como o Dan Bitney, o John Herndon, os Eternals. Nessas a gente aqui absorvendo tudo isso, o Hurtmold surgindo. Era muita energia, todo santo dia fritando em torno disso. Daí quando realmente o Rob chegou até nós, pensei, “meu Deus, conhecemos o Rob pessoalmente!” Foi intenso, mas fiquei pensando, vai passar aí 15 dias, o cara tá no corre dele e beleza, nem vai se lembrar da gente. (risos). E não foi nada disso. Poucos dias depois ele já estava escrevendo ou ligando para os caras do Hurtmold, mandando email pra mim, e falei comigo mesmo: “é, o Rob pirou na nossa”. Curtiu a gente mesmo. Na sequência teve o Sónar em SP e Barcelona e a coisa desandou (no melhor sentido da palavra).

Não tenho dúvidas ao dizer que a trajetória do selo, e posteriormente do booking (Norópolis) sofreu um chacoalhão com a chegada do Rob. Por que ter ele por perto é certeza de bem estar, um cara que agrega, harmoniza e nessas acho que ele nos incentivou muito a dar sequência nas atividades. Ele é um motivador de certa forma e acho que rola uma troca muito intensa de energia. E são 10 anos fazendo coisas com ele sem parar, cada uma mais legal que a outra (pra gente pelo menos!). E aprendendo o tempo todo, rindo muito. E é foda falar isso, pode soar estranho, mas o Rob é um líder como poucos. Às vezes a gente olha e pensa, esse projeto é maravilhoso, mas vai ser casca executar. E de repente vai fluindo, fluindo. Quando vê, já foi! Só tenho a agradecer ao “Maza” por ter entrado em nossas vidas. Fora toda essa parte humana e sentimental, musicalmente nem se fala né. Conhecemos muito som através dele (e acho que vice versa). O Mau, o Gui, o Thiago Mesquita, estão sempre fritando com ele, daí ele conhece melhor o Ghostface, o Cartola, o Sabbath, o Uakti, o Black Flag, o Caymmi. Te falo que a coisa é intensa, mas sem peso. E nessas que acho que tudo vai fluindo de forma tranquila.




Rob Mazurek.






NORÓPOLIS (2)

A partir do momento em que pegamos a função mesmo de cuidar dos shows dos artistas do selo, a gente foi aprendendo na prática, no dia a dia, nas demandas de cada produção. Acertamos, erramos e continuamos aprendendo o tempo inteiro. Até 2006/2007 a gente tinha feito, de shows internacionais, o The Eternals, trabalhos com o Rob (shows solo, colaborativos com o Hurtmold e São Paulo Underground) e participando de um ou outro show como assistente de produção, “runner” e tal. Daí na virada de 2007/2008, lembro bem da Angela me falar mais incisivamente sobre um booking. Buscar produções também com bandas extra selo nacionais que a gente gostava. E, por que não, internacionais? Nessas surge a Norópolis, que é uma espécie de cidade sônica, onde os seus moradores (artistas residentes do booking), vizinhos (artistas internacionais que trazemos) são “noróticos” (risos). Que é uma derivação da expressão “neurótico” que sempre o Gui, o Smoot (Felipe Narvaez) e outros amigos usavam pra falar que tal banda ou música era foda. Eu adorava o som dessa palavra, a intenção dela.... tipo, “nossa esse disco do Anti-Pop Consortium é norótico!!” (risos) Daí virou Norópolis.

Daí criamos o booking... A Angela desenvolveu o site e lá fomos nós convidar outras bandas nacionais extra Submarine e começamos a sondar artistas internacionais pra trazer ao Brasil. Buscamos parcerias com o SESC SP, Centro Cultural São Paulo, CCJ, SESI, festivais pelo país, casas de show, etc. Iniciamos com projetos ligados ao Rob Mazurek, e ele foi muito importante (de novo) no processo, pois sempre nos encorajou muito, depositou e deposita sua confiança e fomos ganhando um corpo, caminhando. Quando escrevemos buscando esses shows, já temos o que mostrar, o que falar, um currículo, um histórico. De artistas internacionais já vieram através da Norópolis, além do The Eternals e São Paulo Underground (residentes), Rob Mazurek Skull Sessions, Matana Roberts, Roscoe Mitchell, Kevin Drumm, Lichens, Pharoah Sanders & São Paulo Underground, Tim Kinsella, Joan of Arc, Laetitia Sadier, Jason Adasiewicz’ Sun Rooms, Pulsar Quartet, Chicago Underground Duo, Spectralina. E agora pra fechar o 2013, em dezembro, teremos 04 apresentações do Tortoise em SP e alguns shows solo de membros da banda.



COLABORAÇÕES ENTRE ARTISTAS 

Colaborações pra mim são sempre bem-vindas, porém tenho bastante cuidado. Não gosto da idéia de “junta junta” por que tem que ser colaborativo. Entrar em contato com um cara que a gente pira no som e falar “oi, vem aqui tocar com o fulano e fulano da banda tal num show colaborativo?” Acho estranho esse tipo de coisa. Esses shows em que nos envolvemos parte do princípio das conexões já existirem de alguma forma, tendo algum contato, afinidade dos dois lados, interação prévia. Daí acho que a colaboração do Rob com o Mauricio (início do São Paulo Underground), o Gui ingressando na sequência, depois projetos como a Skull Sessions, e ainda chegar no Pharoah & The Underground, foram acontecendo passo a passo, naturalmente e de forma a buscar sempre uma continuidade. Acho que esse fator conta bastante para o nosso lado. Se você perceber quase todos esses projetos possuem uma história.

Lembro também de outro exemplo muito legal de colaboração que depois virou banda mesmo e turnê. Foi quando o Guillermo Scott Herren (Prefuse 73) veio tocar em SP e no dia seguinte ao show ele estava com um dayoff. A Aninha (de Recife, Festival Coquetel Molotov) me ligou perguntando sobre a ideia de um show colaborativo/improvisado em SP, que ela sabia que o Gui e o Mau gostavam do Prefuse 73, e eles tinham se trombado no Sónar em SP, 2004. Eu respondi que poderia ser bem legal, e que nessas coincidentemente o Rob Mazurek também estava em SP neste mesmo momento. Em 24 horas agilizamos tudo, fizemos um flyer (Gui como sempre) pedreríssimo de um show na +Soma, numa segunda feira a noite, divulgação guerrilha, internet e pronto. Lá estávamos segunda-feira à noite, casa cheia, Guillermo tocando bateria, uma guitarra com eletrônicos, o Rob no cornet, o Mau num segundo kit de bateria, o Gui nos eletrônicos/teclados e o Ryan Rasheed (Leb Laze) fazendo um DJ set. Foi uma noite ótima e acho que talvez tenha sido o nosso esquema mais próximo de um “junta junta” como mencionei. Porém com um sentido, um mínimo afinidade musical, uma intimidade com a linguagem de se tocar de forma livre, e tal. E nessas, meses depois, o Gui recebeu um convite do próprio Scott Herren pra ele e o Mauricio tocarem na banda dele para uma turnê de 20 shows pelos Estados Unidos. Dá pra acreditar?

Daí posso citar também o Rob Mazurek Skull Sessions que aí foi um projeto que eu recebi diretamente da Gerência de atividades do SESC SP na época. Eles me pediram para O Rob criar uma banda, tendo por objetivo montar uma apresentação levando em conta a fase elétrica do Miles Davis, para ser parte da programação de uma exposição sobre o trompetista norte americano (Queremos Miles!) no SESC Pinheiros. Daí falei com o Rob e ele montou um octeto (Rob Mazurek, Nicole Mitchell, John Herndon, Jason Adasiewicz, Mauricio Takara, Guilherme Granado, Thomas Rohrer e Carlos Issa), e a Norópolis ficou com a responsabilidade de fazer a produção. Foram duas noites no teatro do SESC Pinheiros em SP. Ainda fizemos a captação do áudio dos shows, levamos para o El Rocha, o Rob mixou com o Fernando Sanches, Mauricio e Guilherme e desse material saiu o LP Skull Sessions (Submarine/Cuneiform). Há também um outro projeto de colaboração chamado Spectrazil, que é formado pelo Spectralina (Dan Bitney, do Tortoise e a suíça Selina Trepp na parte de visuais) + Mauricio, Guilherme e Carlos Issa (Objeto Amarelo). Já aconteceram alguns shows e estamos preparando um material multimídia para ser lançado em 2014.

Não sei, mas acho que sempre estivemos dispostos a dar a cara a tapa, fazer as coisas, jogar para o mundo. E eu acredito muito nisso. No ir ali e fazer, do jeito que você quer, de coração aberto e com vontade. Sem ficar nessas de “agora o que tá pegando é tal som, então vou fazer”, “se isso não dá grana não faço”... Credo, quando vejo isso perto de mim, saio correndo! 

São Paulo Underground. Foto: Paulo Bórgia.





"Não sei, mas acho que sempre estivemos dispostos a dar a cara a tapa, fazer as coisas, jogar para o mundo. E eu acredito muito nisso. No ir ali e fazer, do jeito que você quer, de coração aberto e com vontade. Sem ficar nessas de 'agora o que tá pegando é tal som, então vou fazer', 'se isso não dá grana não faço...' Credo, quando vejo isso perto de mim, saio correndo!"



OUTROS PROJETOS


A partir do Hurtmold, seus integrantes tomaram seus rumos autorais, buscando também de forma pessoal suas expressões. Talvez como uma forma de aplicar e dar vazão a idéias e conceitos que não necessariamente cabem ou caberiam no Hurtmold, se desdobrando em outros projetos. A Submarine lançou o trabalho solo de Mauricio Takara (o primeiro disco, m.takara, de 2003) e também Bodes & Elefantes de Guilherme Granado, que já colocou na rua dois discos físicos, ambos com licenciamento no Japão via Catune, e um registro digital, o Outakes EP", disponível gratuitamente para baixar no site da Sub, inclusive com arte para imprimir e montar a capinha do CD. A Submarine também editou o primeiro álbum solo do guitarrista Mário Cappi, o MDM, lançado em 2010. Bodes & Elefantes, MDM e somando aí Chankas, projeto de canções do também guitarrista do Hurtmold, Fernando Cappi (que lançou de forma independente seu primeiro disco), são artistas representados pela Norópolis em agenciamento de shows.


Pela Submarine, temos também o Elma, que lançou seu primeiro álbum, o Elma LP, de 2012 e acaba de estrear a peça sonora “Corta como Gelo Torto”. O primeiro show foi realizado no fim de setembro no teatro SESC Belenzinho em SP. E possivelmente haverá já no início de 2014 novas apresentações. Esta peça foi escrita/composta por Mauricio Takara que convidou o Elma para ser a banda a colaborar e executar juntamente com ele o show. No palco, Takara opera eletrônicos e conta com o Elma em sua formação completa e original. Na parte de vídeo foi convidado o U-RSO, que faz ao vivo manipulações de imagens. Aqui mais sobre o projeto: http://www.noropolis.net/especiais/mtakara-elma/.

Elma. Foto: Samuel Esteves.










15 ANOS

Dezembro de 1998 foi quando o selo começou, daí agora em dezembro vamos fazer uma série de shows pra comemorar esses 15 anos, seguindo com nossa agenda de shows em paralelo. Dia 01 de dezembro agora tem Guilherme Granado/Objeto Amarelo/MDM Duo na Serralheria em SP. Dia 07, também na Serralheria, Hurtmold lançando o vinil “Mils Crianças” e abertura do Rob Mazurek fazendo um set solo (cornet/eletrônicos). Daí estamos praticamente fechando mais um dia (local a confirmar nos próximos dias) com Elma e Auto. Acho que vai ser divertido e essa é a idéia: nós, bandas e público curtindo.



Fora isso, e vou considerar atividades no mês de 15 anos do selo, tem São Paulo Underground em SP/Sala Olido e no RJ/Festival Novas Frequências. Também teremos Tortoise (EUA) durante quatro dias em SP. Alguns projetos solo dos membros do TRTS em SP e Rio também. Hurtmold tocando no Festival Batuque/SESC Santo André, Hurtmold e o Carlos Issa (Objeto Amarelo) tocando no nosso já tradicional show de arrecadação de brinquedos. E Againe no Hangar em SP. Vai ser movimentado o mês!

Objeto Amarelo (Carlos Issa). Foto: Samuel Esteves.









































FUTURO

As próximas atividades da Submarine previstas são o lançamento do primeiro álbum do Auto, banda que se formou nos anos 90 em SP. Eles saíram no primeiro lançamento da Submarine em 98, mas daí entraram num hiato, mas a banda voltou. O disco está bem bom, prontinho, e agora está na fase de fechar a arte. Queremos lançá-lo em março de 2014. Daí na seqûencia temos mais alguns lançamentos para fazer: Objeto Amarelo, MDM, Bodes & Elefantes. o The Eternals está gravando a suite Espiritu Zombi também. Então com certeza discos não serão problema em 2014.

Paralelamente vamos intensificar o foco na Sereia Edições, que é uma espécie de micro selo/editora dentro da Submarine (são várias empresas né? Risos), onde fazemos tiragens/edições limitadas de registros feitos de forma caseira, em fidelidade “Rawar Style” (fazendo uma alusão aos Eternals). Já lançamos esse ano um pacote chamado “Love Pack” do Bodes & Elefantes, em edição de 40 cópias e já vendemos todas nos shows do Guilherme Granado. O pacote continha um CD-R com três versões remixadas e/ou inéditas do Bodes & Elefantes (seu grupo), uma foto em papel e gravura silkada. E vem mais lançamentos via Sereia Edições em 2014.

E na Norópolis seguimos forte em 2014 com os shows dos nossos artistas residentes (nacionais) vizinhos (que já trazemos e desenvolvemos projetos) e traremos mais atrações internacionais, seja pelo próprio booking ou juntamente com os nossos parceiros.


































































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Para acompanhar a Submarine

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