Em minha recente passagem pelo Rio de Janeiro, tive o
privilégio de dividir o palco duas vezes com o DEDO. Mais tarde, Lucas Pires me
contou que eu fui um dos poucos que assistiu a apresentação que ficou conhecida
como “performance dos espelhos” em seu formato completo, tocada primeiro em sua
forma real e a seguir em uma versão espelhada.
Em suma, cada performance do DEDO é única - raramente os integrantes a
reproduzem uma segunda vez. Mais do que o fruto de três mentes compulsivas e
muita dedicação, um presente ao público, que faz parte daquele momento junto ao
trio. Mesmo com a distancia de uma ponte aérea, acompanhei com interesse ao
amadurecimento do trio, com toda a proximidade que o pós-internet permite.
“DEDOS são membros que nascem na palma da mão ou do pé. São
divididos entre si e tem unhas.”. De fato, os dedos são divididos quando
analisamos um por um, individualmente. Porém, ao olharmos para a mão (ou um
pé), o que vemos é uma unidade. Trata-se
de um conceito minuciosamente pensado pelo trio, que reflete diretamente no
aspecto sonoro e visual. Majoritariamente, bandas e projetos são
formados por artistas com visões diferentes, mas complementares. Não foram
poucas as vezes em que chorei de ódio durante um ensaio ou que bati o telefone
na cara de um colega de banda. Tenho histórias pavorosas, que falam muito mais
de mim mesmo do que eu gostaria. E do equilíbrio entre as diferenças nasceram
muitos dos trabalhos que produzi em grupo até então. Falo tudo isso porque uma
das coisas que mais me chama a atenção no DEDO é a preocupação com a unidade,
algo que vai muito além das roupas pretas que o trio invariavelmente usa. Gosto
do modus operandi mecânico e minucioso, da preocupação técnica em poder
reproduzir uma mesma peça de trás para frente, da maneira mais fiel possível. Esse tipo de afinidade não vem do nada, e não
me surpreendeu saber que os três
conduzem suas atividades extramusicais
em um mesmo ambiente, sentados em uma mesma mesa. Mesmo com o convívio
constante, arrisco dizer que esse senso de unidade relaciona-se mais a uma
preocupação conceitual - que orienta em definitivo o direcionamento do grupo
- do que qualquer outro campo de relação
puramente humana.
Divido a relação entre música e sensibilidade em duas
categorias: as músicas que me fazem sentir vivo e as músicas que parecem criar
vida própria. Lembro de ouvir a “Pow R Toc H’ aos 19 anos e ficar obcecado pelo
Piper at the Gates of Dawn, reproduzindo o álbum exaustivamente em diferentes
caixas e aparelhos de som. Foi um pavor gostoso sentir que “havia algo ali”. De
lá pra cá, tornei a experimentar essa sensação em alguns discos que trouxeram a
tona essa mesma mistura entre satisfação e medo irracional. Não há variação de
intensidade, trata-se de um estado pleno, que não dá qualquer indício de que
está por vir. Gosto da sensação de desligar um disco por estar “passando mal”,
trata-se de uma fraqueza ou vulnerabilidade que eu me dou ao direito de ter. E
foi com muita felicidade que revivi essa sensação na última performance do trio
que eu tive a oportunidade de assistir (Ao vivo no CCSP). Gosto da maneira como
a “música de contato” do DEDO se assemelha a um organismo vivo, que parece
sentir fome e se alimentar. É algo grande, que se permite sentir, mas que não
se deixa ver. Cada clique ou estalo que emana do PA tem uma forte carga de
movimento. Não sei ao certo do que estamos falando, tudo o que eu sei é que é
grande, tem vértebras e ESTÁ VIVO.
Esse sopro de vida, tão presente nas performances ao vivo,
se faz presente no improviso livre de 2x c32, mesmo que de forma mais contida.
Em tempo, trata-se de uma sessão gravada na Comuna , para a gravação de um
piloto para a TV idealizado por Paula Galtan. Um registro importante para a
carreira dos DEDOS, mas que não substitui de forma alguma a apresentação ao
vivo, sendo uma puramente complementar a
outra. Como eu disse anteriormente, nenhum trabalho ou apresentação do DEDO é
descartável, da mesma forma que nenhum trabalho ou apresentação parece ter qualquer ambição de superar a que
antecede. Unidade é a palavra de ordem. A obra já nasce pronta, e todo live
morre ali. A gravação, masterização e mixagem ficaram a carga do amigo Sávio de
Queiroz, junto a Alexandre Goulart.
Diferentes possibilidades:
quem adquiriu o cassette duplo 2x c32 se deu conta de que os artistas
não confinaram o álbum a uma ordem pré-estabelecida, permitindo ao ouvinte experimentar uma série
de combinações. O conteúdo de cada um
dos quatro lados é bem uniforme, eu mesmo experimentei umas três combinações diferentes,
todas com resultados bem satisfatórios.
Thiago Miazzo