sexta-feira, 8 de maio de 2015

Tyler, the Creator - Cherry Bomb (2015; Odd Future, EUA)

























Depois de três discos que compartilhavam uma temática até certo ponto em comum, mediados por um jogo de alter egos que tinha no tal Dr TC a sua base motora psicanalítica, Tyler tem nesse seu Cherry Bomb a oportunidade de renovar seu arsenal ao mesmo tempo que dá continuidade a uma discografia que, agora, começa a ganhar forma. Já em Bastard, Dr TC dizia que seriam três sessões, e se depois do próprio Bastard (2009) e de Goblin (2011), a coisa terminou de uma forma relativamente morna em Wolf (2013), ainda que muito rica em toda a sua vocação narrativa já presente desde o primeiro disco, em Cherry Bomb temos praticamente a celebração de um potencial restaurado e de uma liberdade musical sempre implícita. Inclusive, é até um pouco como se Tyler, no disco, celebrasse justamente uma certa autoconsciência de todo o seu potencial, tanto nas letras, que estão cada vez mais megalomaníacas e recheadas de uma obsessão controladora, como em toda a dinâmica timbral do trabalho, com bases que se intercalam entre uma musicalidade muito pontual e melódica, e outras de uma anarquismo sonoro bastante explícito. Um jogo de sonoridades e temáticas ambíguas que vislumbra horizontes tão distintos como absolutamente possibilitadores. E apesar de toda essa heterogenidade, o disco nunca cai numa viagem aleatória, conserva muito bem uma unidade melódica elementar, ainda que de polarizações extremas, o que não deixa de reiterar todo o talento nato de Tyler como produtor, possivelmente um dom que o ajudou a chegar aonde ele está hoje.

Talvez o que salte ao olhos em Cherry Bomb, já de cara, é um contexto quase positivo do disco, que se foca, principalmente, em ideias de controle, liberdade e independência, seja partindo de uma abordagem ultra agressiva, como na faixa título “Cherry Bomb”, com seu noise rock à Black Pus e seu vocal gritado de tom ultra imperativo ("Come and light my fire, I'll blow your fuckin' face off / Nigga I'mma goddamn pilot / And I decide when we gon' take off) ou ainda na jazzística e terna “Find Your Wings”, um duo com a colombiana Kali Uchis, de quem Tyler já produziu algumas faixas e se assume como uma mensagem de incentivo, ainda nessa temática do controle ("Supposed to fly and take control cause you're the pilot / You can't swim, you're gonna drown, the sharks are comin' / The sky's your home, there's no limit, you know you gotta / Find your wings (fly)) O que remete, diretamente, a um post (https://www.facebook.com/TylertheCreatorOfficial/posts/345111099004893) de Tyler no facebook, publicado em dezembro do ano passado, um textão de encorajamento dos mais dignos.

Não deixa de ser curioso que uma carreira especulada justamente sobre uma metralhadora ofensiva, fundado sobre um constante atitude inconsequente, tenha sua principal fonte de inventividade, agora, em um contexto de harmonia e realização, de plenitude até. Mas diferente de um sinal de resignação, como alguns poderiam pensar, o que isso denota, acima de tudo, é uma guinada estética que celebra a liberdade artística. Mesmo a abordagem ultra ofensiva dos últimos discos (que não vamos nos enganar, ainda continua implícita aqui) tinha muito mais a finalidade de se estabelecer como uma base musical estética, do que exatamente incitar um ódio intolerante. Era quase um exploitation rap, em alguma medida, que assumia o extremo como uma mediação criativa. Não por acaso a sonoridade da Odd Future já foi chamada de Horrorcore, gênero que Tyler sempre fez questão de rejeitar. E mesmo o mantra da independência aqui (a frase “Find your wings” é repetida inclusive em outras faixas) já denota essa moral implícita da liberdade que, definitivamente, Tyler já é adepto desde o seu primeiro álbum. 

Claro que essa suavização não significa uma domesticação, já que, desde sempre, de uma forma ou outra, o rapper se alternou muito bem entre esses pólos extremos, mais especificamente ao tentar articular seu constante apreço pelo jazz. O que acontece, em Cherry Bomb, é que isso está mais evidente. Uma faixa como "Fucking Young/Perfect", seu oportuno duo com Charlie Wilson, talvez seria impensável em um disco anterior, com sua atmosfera de soul retro, sua vocação para baladinha pop de flerte ilegal. Ou a francamente rockeira “Deathcamp”, que contou a participação de Cole Alexander do Black Lips, com sua guitarra ultra veloz que funciona muito bem como base para essa espécie de conto punk-rock sobre a fama, outro tema comum na carreira de Tyler e que aqui ganha ares fantásticos comparáveis a de um campo de extermínio: "Better pose for that camera / Better pose, boy you better pose / And it's your life nigga I suppose / For the lights, for the camera, and the action / Now you're face is meltin' from the flash of the big ol' lights / Nigga you ask for this life / Welcome to death camp."

Mesmo quando o disco se mantém próximo de uma zona de conforto do hip-hop, como na épica “Smuckers”, que conta a participação simultânea de ninguém menos que Kanye West e Lil Wayne, Tyler consegue se focar em uma dinâmica muito fundamental do rap, nesse estrutura de versos e embates que se solidificam e se fortalecem, sempre preservando todas as particularidades das vozes, absolutamente únicas, de Kayne e Wayne. “Bufalo”, possivelmente uma faixa que remete mais explicitamente aos discos anteriores de Tyler, e inclusive a que flerta mais diretamente com a sua estética do ódio, por assim dizer, até começa com uma base minimalista, que sampleia Bunny Sigler, mas aos poucos a faixa vai agregando basicamente todo tipo de som, criando uma série de camadas anárquicas que,  se por um lado nunca se articulam obviamente entre si, geram toda uma sonoridade babélica que compete com o tom agressivo do vocal de Tyler. 



Todo esse senso de liberdade e realização do álbum, esse seu tom quase motivacional, pode até soar ingênuo de algum modo, e de muitas maneiras ele é mesmo de uma inocência quase ingênua. Mas Tyler parece tão entregue nesse seu ideal profissional, esse ideal que um dia nunca passou de pura utopia e hoje é mais do que concreto, que não deixa de ser muito inspirador ouvi-lo narrar todo esse trajeto muito bem-aventurado. E se a essência do pop sempre esteve, de algum modo, intrinsecamente ligada a um fatalismo implícito, muitas vezes é de uma disposição assumidamente celebratória que brotam as peças mais estimulantes.

Arthur Tuoto