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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Chinese Cookie Poets/Nicolau Lafetá – Danza Cava (2013; Mansarda Records, Brasil)

























Em Lacuna (2012), primeiro longa metragem do diretor carioca André Lavaquial, há o registro de alguns diálogos entre os membros do grupo carioca Chinese Cookie Poets. Trata-se aparentemente de um momento em que o trio se esforça para encontrar estratégias de composição e arranjo — a bem da verdade, isto eu pude presumir, pois eles conversavam utilizando uma linguagem hermética o suficiente para que algumas frases se fizessem absolutamente incompreensíveis. É possível distinguir cada palavra dessas estranhas conversas, mas o sentido de cada uma delas parece interditado. 

Sobre o que falavam? Provavelmente sobre notas, acordes, timbres, dinâmicas. Será que estão em busca de uma correspondência secreta, forçando a palavra a exprimir-se tanto no plano da comunicação verbal, como na expressão sonora? Restou, enfim, a certeza de que, para além da vocação para o improviso e das habilidades evidentes de cada um dos instrumentistas, o método e os procedimentos de composição e arranjo, constituem o centro nervoso da música do Chinese Cookie Poets. 

Em seus trabalhos anteriores, destacava-se a combinação prodigiosa de improviso livre com a gana tribal e dissonante da no-wave — tendo o DNA de Arto Lindsay como referência —, além de ecos evidentes da combinação de jazz, rock e funk destilado por Miles Davis em On The Corner e em outros discos da fase setenta. Porém, a cada novo trabalho esses elementos são recombinados sob a influência de procedimentos específicos, comportando inclusive contribuições de tendências abstratas, como o noise e o minimalismo. Uma mescla de improvisação livre e temas compostos filtrados por severas edições digitais, no primeiro EP, 2010; Dragonfly Catchers and Yellow Dog, em 2011, registro de uma apresentação na Audio Rebel; Worm Love, de 2012, combinação de improvisação livre e edição criativa a posteriori, resultando nas dinâmicas nervosas de “En La Mano del Payaso” e da suíte “Three Worms”; e no último single, Viva La Raza, composição rigorosa, com baixos teores de improvisação. Em se tratando de Chinese Cookie Poets, sempre há que se perguntar pelo que virá em termos estéticos, técnicos e até mesmo visuais — a julgar pelo clipe prodigioso de “En La Mano del Payaso”.

Gravado em 2011, Danza Cava registra uma sessão com o trumpetista brasiliense Nicolau Lafetá, radicado em Amsterdã. Sob a influência do sopro lírico e preciso de Bill Dixon, Lafetá trouxe um outro temperamento para a sonoridade do Chinese. Abrindo mão de habituais tendências próximas à estridência do punk e da radicalidade do free jazz, o quarteto investiu dessa vez em estruturas concentradas nos baixos volumes, o que favoreceu a composição de ambientes permeados por pausas e silêncios. Como se observa logo nos primeiros minutos, com “Ojos de ceniza”: viradas discretas da bateria pontuam os acordes soltos do baixo e da guitarra, pavimentando o caminho para a melodia melancólica desenvolvida por Lafetá. O diálogo da bateria com o timbre rouco do trumpete abre “Lapetus l’uccello”, até que a linha de baixo se impõe como o guia do andamento. Em crescendo, o quarteto desemboca nos segundos finais em uma investida agressiva em síncopes características do p-funk.

A brevidade da vinheta “Il semi-affetto degli argonauti” tensiona a sequência, conduzindo o ouvinte para a faixa seguinte, “Tiao Yue”, talvez a mais complexa do álbum. Em uma dinâmica de "pergunta e resposta", as intervenções do baixo e da guitarra adquirem intensidade conforme uma certa dialética do improviso: de um lado, os músicos demonstram ter plena consciência de algum método prévio, mas, justamente por terem essa consciência, se permitem produzir pequenas mudanças, fraturas sonoras sobre a textura pré-combinada. “Chang’e III” retoma a pegada nervosa, apostando novamente na conversa entre trumpete e bateria: microfonia, ruídos percussivos do baixo e o trumpete “arranhado”, contribuem para formar um amálgama de timbres. “Passo torvo” encerra o disco de forma silenciosa, com os sons eletrônicos contribuindo para criar um clima de melancolia e desolação.



A capa, assinada pelo pianista e artista plástico Luís Augusto, exibe uma figura soterrada por uma cornucópia de rabiscos negros. “Excesso” talvez seja a qualidade mais evidente na pintura, mas convém observar mais atentamente. O rosto da figura parece propositadamente inexpressivo, como se pouco lhe importasse toda aquela atividade que se desenrola à sua volta. E, no entanto, ele se mantém sério, postura reta, indiferente. Somente a audição do disco pôde atestar se, na música do Chinese, as qualidades abstratas do silêncio poderiam substituir, ainda que provisoriamente, as evidências contundentes do excesso. Contrapondo-se à noção de ritmo e regularidade, a “dança oca” a que se refere o título, remete à geografia acidentada e detalhista das composições, contrária à vivacidade quase brutal dos trabalhos anteriores. Sim, o ambiente de Danza Cava é sombrio, por vezes melancólico. Com Lafetá, Felipe Zenícola no baixo, Renato Godoy na bateria e Marcos Campello nas guitarras, o Chinese mostrou que também é capaz de se expressar através de um alto nível de controle, e, ainda assim, com sua habitual espontaneidade.

Bernardo Oliveira

terça-feira, 16 de julho de 2013

A “Música sem Teto” da Mansarda Records

Gustavo Bode






































Para uma abordagem adequada da chamada “música brasileira” na atualidade — isto é, na possibilidade de se pensar uma “música nacional”, definida a partir dos limites territoriais do estado brasileiro — convém expandir as fronteiras em todos os sentidos possíveis, sejam territoriais, morais, culturais ou estéticos. Hoje a “música brasileira” se reproduz pelas inflexões fragmentárias de um contexto radicalmente plural, em franco estado de conflito e mutação, o que impossibilita — ou, pelo menos, dificulta — a adoção de uma perspectiva hegemônica. Do ponto de vista de quem mora no Rio de Janeiro (ou em São Paulo), esta percepção cria outras exigências, reivindica não só o alargamento dos interesses, mas a busca por aquilo que de fato se fragmentou: o próprio interesse. Hoje a arte no Brasil é “interessada” em escala de radicalização da singularidade, não apenas em relação às noções modernas de invenção e ruptura, mas, sobretudo, como perspectiva. Não há como pôr em dúvida o valor do núcleo duro da MPB — seja a MPB histórica dos anos 60, a que se consolidou comercial e artisticamente nos 70, ou a que se diluiu nos 80 e 90 —, mas o fato é que esta estrutura de poder já não responde pela totalidade da “música brasileira”. 

Nesse panorama amplo e imprevisto, um selo do Rio Grande do Sul se destaca por investir majoritariamente na música de improviso, abraçando as premissas do jazz, mas com abertura para experimentações com eletrônica, entre outros bichos. Em que “música brasileira” se encaixam? Capitaneada pelo saxofonista Diego Dias e pelo improvisador Gustavo Bode, dois músicos improvisadores residentes em Porto Alegre, a Mansarda Records (http://mansardarecords.wordpress.com/) completa pouco mais de um ano com uma dinâmica de lançamentos que impressiona pela quantidade, a eloquência e a personalidade. Em abril de 2012, o selo editou seu primeiro lançamento, Culto Primitivo ao Tamanduá, com as participações de Bode, Dias e do guitarrista Moisés Rodrigues. Desde então, lançou cerca de 40 trabalhos exclusivamente dedicados à improvisação, com diversos artistas e sob muitas formas possíveis: solos, duos, trios, projetos efêmeros, música eletroacústica, improvisação eletrônica, hibridismos, ruídos, silêncios e ampla influência de muitas vertentes experimentais, como as preconizadas por Evan Parker, Ornette Coleman, Peter Brötzmann, Throbbing Gristle, Coil, entre outros.

A maioria dos artistas são do Sul, com algumas exceções: o português Paulo Chagas, Chinese Cookie Poets, do Rio, e músicos paulistas como Jóbson Phelps, os presentes na coletânea de sopros Arfante — Música para Instrumento de Sopro Solo e no grupo Spimpro. Gravam praticamente no mesmo lugar, um estúdio profissional em Porto Alegre chamado Musitek; Diego cuida dos textos, Bode das imagens. Disponibilizam seu trabalho gratuitamente no link http://archive.org/details/mansarda-records e ainda tocam um site informativo a respeito da cena de improviso local e nacional, o Improviso Livre. Percebe-se uma intenção em manter os processos de forma a mais simples possível, “rústica”, punk, do it yourself, no sentido de impregnar o som por uma energia cega, uma vontade urgente de concretização que se observa em muitos de seus lançamentos.

O selo também conta com projetos experimentais ao estilo guarda-chuva como o desativado Projeto Berros, que abrigou varias formações. Outros nomes e projetos cujos trabalhos chamam a atenção são o Jamais Fomos Modernos — primeira banda que uniu Dias e Bode —, Guilherme Darisbo, Peter Gossweiler, Leonardo Estêvão, Duo Hoffparú, o trio Dias/Rieger/Armani, o duo Dias/Parú, Tormenta Free (que gravou com Jóbson Phelps), entre muitos outros.

A entrevista que se segue foi realizada por internet e buscou atender às questões mais básicas: formação individual dos fundadores, a construção do selo, bem como as formas de produção e divulgação do grupo. Ao fim da entrevista, Minicrônicas Discográficas com cinco lançamentos da Mansarda, com destaque para o último lançamento do selo, Honorável Harakiri (link abaixo)

Bernardo Oliveira

Leia as Minicrônicas Discográficas, com destaque para a crítica de Honorável Harakiri, do trio Diego Dias, Marcio Moraes, Michel Munhoz.

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Entrevista: DIEGO DIAS e GUSTAVO BODE


Diego Dias






































Poderíamos começar falando um pouco a respeito da formação musical de vocês? Tanto em termos de educação formal, como em relação às influências musicais e estéticas?
Diego: Não tenho formação musical nenhuma. Não sei ler partituras, nada. Apenas aprendi com professores as mecânicas mais básicas dos instrumentos (sax e clarinete) e depois parti na busca dos sons que queria obter deles. Em relação às influências, estou há 15 anos mergulhado no jazz, desde que ouvi Coltrane pela primeira vez. Com a Internet, ficou mais fácil obter materiais de músicos até então impossíveis de serem conhecidos para um jovem comum e sem dinheiro no Brasil, como Evan Parker, Peter Brötzmann, estes nomes todos. Tenho colecionado os discos destes e de muitos outros artistas, como Anthony Braxton, John Butcher, Steve Lacy... a lista é grande. Tenho me dedicado à música mais quieta ultimamente, aquela lançada pelo selo Potlatch, por exemplo... Gosto muito de Morton Feldman e seus silêncios e repetições, o que não me impede de ter uma prateleira cheia de Borbetomagus!

Bode: Já tive aula de violão e guitarra na infância e adolescência, mas digamos que o que eu faço hoje tem muito pouco do que aprendi naquele tempo. Curto fazer som desde criança, com instrumentos de brinquedo, mas sempre tive interesse no fazer sem saber ou seguir regras de conduta. Adoro composição instantânea e odeio pensar no que eu vou fazer antes de tocar. Ouvi muito pop nos anos 80, depois passei para o progressivo, metal, hardcore, rock psicodélico, industrial, noise, ambient, drone, IDM, etc...

Contem um pouco do que vocês faziam antes de começar a Mansarda? Existia uma cena de improvisação em Porto Alegre?
Diego: Eu não tocava com ninguém. Tinha apenas um clarinete e ficava em casa fazendo alguns ruídos. Quando conheci o Bode, surgiu a idéia de fazermos algumas experimentações. Não posso falar da cena antes, apenas que cresceu nos últimos anos.

Bode: Tive umas bandas de rock instrumental nos anos 90, mas nunca saíram da garagem e, não, não tem nada gravado. Lá por 2000 comecei a fazer noise sozinho em casa com meu PC. Fiz uns shows em Porto Alegre com o coletivo Antena. Então fiquei parado de 2008 a 2010, quando conheci o Diego.

E o Jamais Fomos Modernos, como começou? Quais eram as propostas do trabalho?
Diego: A JFM começou quando apresentei ao Bode dois amigos meus — Bruno e CP — que também curtiam free jazz, foi durante o show do Ken Vandermark aqui em Porto Alegre, no final de 2010. Foi algo bem cru, do tipo: “ei, temos baixo, bateria, sopros e eletrônicos! Vamos para o estúdio para ver o que sai!” Era bem divertido, as idéias nasciam na hora, não havia muita preparação.

Como, do JFM, surge a Mansarda?
Diego: Estávamos lançando alguns trabalhos pela Boolean Records do nosso amigo de Joinville, Leonardo Estevão, que participava do hoje extinto Projeto BERROS, e que nos deu carta branca para nosso lançamentos. Entretanto, queríamos autonomia total para nossos discos em todas as esferas. Além disto, eu e o Bode residimos em Porto Alegre, o que facilitava muito as reuniões ao vivo para discussões de projetos, rumos, etc. O Bode já tinha farta experiência no mundo das netlabels com o N0_age, então foi natural iniciarmos a MSR, como chamamos.

Por que Mansarda, um termo que alude à arquitetura? Lê-se no site de vocês: “música quase sem teto”. Mas há também uma relação com portas e janelas que se abrem…
Diego: O nome surgiu de um brainstorm que eu e o Bode fazíamos enquanto comíamos um de nossos tradicionais churrascos. Muitas e muitas sugestões, até que surgiu Mansarda no sentido de uma casa pequena, velha, despedaçada, porque é com muito esforço e sem nenhum apoio que fazemos toda a correria para o lançamento dos discos, as gravações são todas lo-fi e eventualmente até precárias, mas não por desleixo e sim para evitar toda uma parafernália obsessiva de dezenas de masterizações, propostas e mais propostas de capas, diatribes sobre nomes de músicas, estas coisas que cercam a produção de muitos discos. 

Tem também o fato de que gravações profissionais são bem caras, e não podemos pagar. A ideia sempre foi divulgar os resultados, não fazer lançamentos suntuosos. “Música quase sem teto” foi um insight que eu tive após o batismo da gravadora, aludindo ao tipo de moradia, aludindo à nosso “desamparo” em relação a qualquer financiamento ou ajuda externa mas também marcando esta posição de uma gravadora de música livre e experimental que transita por vários lugares deste amplo espectro.

O conceito de “música sem teto” remete simplesmente à independência do coletivo? Vocês se consideram um coletivo, buscando reunir propostas semelhantes, ou um selo que catalisa uma série de possibilidades diferentes?
Diego: A MSR é gerida apenas por mim e o Bode, então não podemos falar aí de um coletivo. A idéia da gravadora é lançar os nossos trabalhos. Como a cena tem crescido nestes últimos tempos, recebemos propostas de amigos, que são avaliadas, mas a verdade é que os discos em que pelo menos um de nós dois não participamos ocorrem somente por convite. Isto evita também dissabores de ter que recusar trabalhos de amigos, ou então de interferir na produção dos artistas. Posso não gostar de uma capa, por exemplo, ou achar que o nome de uma faixa é ofensivo e daí, para evitar embates e explicações, mantemos nossos lançamentos “em casa”, por assim dizer. Contudo, é preciso notar que trabalhamos em parceria com o selo físico 1TAKE de Marcelo Armani — grande amigo com o qual formo o trio Dias/Rieger/Armani — disponibilizando-os para download. Entretanto, até o momento, se formos analisar os discos, vamos acabar notando que somente um deles não tem a participação minha ou do Bode!

Na medida em que vocês não encaram a Mansarda como negócio (pois nem cobram), como funciona o cotidiano de uma empreitada como esta? 
Diego: Quem acompanha a MSR sabe que nosso ritmo de lançamentos é bem intenso. Em 2012, em 8 meses de existência, lançamos 25 discos. Este anos estamos mais calmos e em 6 meses lançamos “apenas” 10. Havia muita produção em 2012, eram gravações semanais praticamente, e esta música precisava ser ouvida, precisava ser divulgada e precisávamos também firmar a MSR como uma gravadora sólida, com lançamentos consistentes e com boa frequiência. Jamais pensamos a MSR para ser algo que funcionasse com intermitência ou sazonalidade. 

Como os contatos são feitos, como se concebe a distribuição, como se controla o conceito e quais os principais objetivos? Existem critérios de seleção?
Diego: Bem, como disse, procuramos manter os lançamentos “em casa”. A MSR não é aberta a propostas, entretanto quando elas ocorrem, ouvimos e, em casos especiais, lançamos. Isto aconteceu com o disco do Chinese Cookie Poets, lançado agora em junho (MSRCD035) ou o SPIMPRO ao Vivo no Cidadão do Mundo (MSRCD015) e Tormenta Free + Jóbson Phelps (MSRCD031), estes dois últimos de amigos muito queridos que fizemos em nossas idas a São Paulo. 

O objetivo é mostrar a música livremente improvisada produzida aqui. Há uma tendência de privilegiar a música que não é somente feita por computadores e pedais, ou então música que é pós-produzida, repensada, com adições, overdubs, etc. A idéia é a de capturar o momento da improvisação, não tratar a música depois, o que não impede discos como o recente Hexagotrópicos (MSRCD034), totalmente feito em laptop — cito também Contumácia (MSRCD030) — e dois discos futuros que trarão o resultado de uma seção sopros+violão+objetos como ocorreu e depois totalmente retrabalhado por um dos participantes. Mesmo assim, fica claro pelo nosso catálogo o direcionamento para esse lado da música improvisada como “aconteceu” naquela hora, seja ela com eletrônicos ou não e também nossa preferência por criações coletivas e não discos solo, embora estejamos planejando para futuramente termos uma série de discos assim.

Para finalizar, contem um pouco sobre os próximos projetos e lançamentos:
Bode: Tocaremos dia 26 na mesma noite que o Fernando Perales, um amigo argentino que faz improvisação eletroacústica. Eu com a Circuitaria Apoteótica e o Diego com o Honorável Harakiri. Sobre lançamentos, tenho algumas gravações com a Circuitaria Apoteótica, com o Renato Rieger e a Sabrina López. Tem também a segunda parte dos Hexagotrópicos, que ainda estão no forno. O resto que eu lembre são sobras que a gente já ouviu e algum de nós não gostou e por isso não vai para a Mansarda. Quero fazer algo com o pessoal da Scafandro, uma banda muito legal aqui de POA que toca improvisação livre com guitarras e sampler. E, claro, tem também o que pretendo gravar ainda este ano, mas ainda não pensei bem sobre como vai ser.

Diego: Estou gravando uma série de 3 discos em duo com 3 grandes bateristas: Peter Gossweiler, Marcelo Armani e Michel Munhoz, que deve começar a sair em agosto. Em breve também deve sair o Musikatenta 2. Shows tem acontecido, mas só posso garantir os discos. A meta é fechar o ano com o lançamento de número 50. SIM, TRABALHAMOS MUITO!

Entrevista realizada por Bernardo Oliveira, através de email.

Leia as Minicrônicas Discográficas, com destaque para a crítica de Honorável Harakiri, do trio Diego Dias, Marcio Moraes, Michel Munhoz.

Diego Dias, Marcio Moraes, Michel Munhoz – Honorável Harakiri (2013; Mansarda Records, Brasil)

























Considerado como uma espécie de modo automático e espontâneo, no qual os músicos procuram extrair o máximo de seus instrumentos, o conceito de improviso livre é explorado de muitas formas ao longo de cada um dos trabalhos editados pela Mansarda Records. A diversidade sugere que duas frentes principais operam nas práticas do coletivo: o improviso corre solto, determinado porém pelo conceito previamente definido. Nem tudo se define no “aqui e agora” do improviso, ao contrário. Pode-se observar que boa parte do sucesso da empreitada advém de uma concepção forte que, aliada à espontaneidade e o vigor da execução, constituem as chaves para os lançamentos da Mansarda. Este é, sem dúvida, o caso de Honorável Harakiri, último lançamento do selo.

A cargo do trio Diego Dias (sax alto, tenor e clarinete), Marcio Moraes (guitarra) e Michel Munhoz (bateria), Honorável Harakiri é distribuído em três momentos. Primeiro, as seis partes com os “honoráveis harakiris”, nas quais o trio procura extrair o máximo de volume e inflexões de seus instrumentos. Alternando-se com os “harakiris”, os duos nos quais dois instrumentistas do trio travam conversações ao sabor do improviso. Por fim, os dois takes de “Amanhecer em Shibuya”, que são identificados no release como “a única faixa previamente concebida”. As intervenções ensurdecedoras de Diego Dias, tateando os limites agudos do seu sax alto e do clarinete, especialmente nos “harakiris” I e IV, confluem com o senso rítmico errante de Munhoz e os devaneios harmônicos de Moraes. Mas o resultado parece convergir para uma intenção comum, mesmo quando um deles toma a dianteira e conduz os parceiros. Ou seja, o foco no improviso não prejudica a diversidade de possibilidades e conceitos exploradas pelos músicos envolvidos.

Observam-se, assim, duas vertentes básicas em Honorável Harakiri: de um lado, o improviso coletivo desenfreado, característico do gênio militante de Peter Brötzmann; de outro, o cortejo eloquente de ruídos a partir dos quais os instrumentos se individualizam e partem para uma situação que pode ser descrita como algo entre o diálogo e o duelo. Este ambiente propiciou as condições para a elaboração de uma peça coesa e vigorosa, uma arena impregnada pelo conflito, mas que traduz uma decisão coletiva de manter em alentado desequilíbrio duas tendências sonoras aparentemente antagônicas.

Bernardo Oliveira

Baixe aqui.
Leia aqui a entrevista com os membros da Mansarda Records.

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Minicrônicas Discográficas: MANSARDA RECORDS
por Bernardo Oliveira
(clique no nome do álbum para baixar)


Que o ouvinte não se deixe enganar pela aparência mais convencional deste trabalho intitulado Pagodi, lançado no final do ano passado pela Mansarda. Nanã Parú no baixo, Peter Gossweiler na bateria e Diego Dias no saxofone tenor, soprano e no clarinete, obtém êxito na criação de climas e ambientes dentro um vocabulário próximo às aventuras modais de Anthony Braxton e Ornette Coleman. Em alguns momentos, dois instrumentos se calam e escutam o outro. Em outros, dois dialogam, enquanto o terceiro observa. E assim sucessivamente, em uma ciranda rica em monólogos e variações convulsivas. A segunda parte, intitulada Pagodi 2, foi editada três meses depois e tambem saiu pela Mansarda.



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Hexagotrópicos – Improvisação Eletroacústica Vol. 01 (2013)
O Hexagotrópicos é um projeto de improvisação eletroacústica, realizado segundo duas modalidades de colaboração. Em primeiro lugar, trata-se de um trabalho a quatro mãos: de um lado, o improvisador, multi-instrumentista e owner da Mansarda Gustavo Bode; de outro, Leonardo Estevão, artista de Joinville que comanda o Boolean Records e participou do Projeto BERROS. Em segundo lugar, a dupla se reúne geralmente como uma colaboração remota, a partir do encontro virtual de materiais produzidos por dois lap tops. Contudo, neste último trabalho, Bode e Estêvão se encontraram em Porto Alegre e gravaram todo o trabalho junto, o que resultou em uma improvisação orgânica, cujo processo de criação conseguiu manter o compromisso com a improvisação livre e a composição instantânea.



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Um quinteto munido de objetos diversos e eletrodomésticos busca extrair sonoridades estranhas de cada um deles. O procedimento é manual, "experimental" em um sentido amplo, não há máquinas digitais envolvidas, apenas furadeiras e liquidificadores. Mas a prerrogativa equipara-se com o que há de mais caro nas pesquisas sonoras que se valem da eletrônica: a instauração de um território sonoro onde o som natural e o som “musical” — ou, pelo menos, os sons consagrados como tal — perdem espaço para outros planos sonoros, um plano virtual no qual a matéria sonora, longe de ser limitada, adquire contornos inusitados, monstruosos. Durante pouco mais de uma hora de improvisação, o quinteto formado por André Castro, Diego Dias, Guilherme Darisbo, LBR e Sabrina López se vale de técnicas diversas, arranhando, percutindo, batucando em ferros, madeiras, engrenagens e demais objetos, para criar um panorama sonoro surpreendente.



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Chinese Cookie Poets + Nicolau Lafetá – Danza Cava (2013)
Gravado em 2011, Danza Cava registra uma sessão do trio carioca Chinese Cookie Poets com Nicolau Lafetá, trumpetista brasiliense radicado em Amsterdã. Sob a influência do sopro lírico e preciso de Bill Dixon, Lafetá trouxe um outro temperamento para a sonoridade do CCP. Abrindo mão de habituais tendências próximas à estridência radical da no wave, o quarteto investiu em estruturas concentradas nos baixos volumes, o que favoreceu a composição de ambientes permeados por pausas e silêncios. Contrapondo-se à noção de ritmo e regularidade, a “dança oca” a que se refere o título remete à geografia acidentada e detalhista das composições, contrária à vivacidade quase brutal dos trabalhos anteriores.


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Música de Diegeses Sugeridas foi o primeiro trabalho que escutei para valer da Mansarda. Por acaso, conta com três artistas próximos aos dois “capos” do selo. Ao lado de Gustavo Bode (trompete) e Diego Dias (saxofones, percussão), Guilherme Darisbo (objetos, violino, sintetizador), Marcio Moraes (guitarra) e Renato Rieger (baixo) perseguem intervenções conjuntas com estilo e senso de direção. Talvez seja este o elemento que mais me chamou a atenção nos trabalhos do grupo: para além do vigor com que tocam seus instrumentos, o voluntarismo e a força de realização, demonstram uma prolífera capacidade de manter o sentido do improviso em uma pluralidade de direções. Ora, se não é esta a característica que deve nortear a prática do improviso, qual seja, um controle inegociável do tempo e do conceito.