sexta-feira, 29 de junho de 2012

mixhaps, perhaps...























sequência mixada descontínua incompleta extraída do que de melhor rolou nesses últimos 3 (ou 4) meses... (vlw Zahle, pela força)




Eli Keszler: "Drums, Crotales, Installed Motors, Micro-Controller Metal Plates"
Dean Blunt and Inga Copeland: "Venice Dreamway"
Sun Araw, M. Geddes Gengras & The Congos: "Happy Song"
Curumin: "Treme Terra"
THEESatisfaction: "Deeper"
Maga Bo: "O Neguinho" (com Biguli)
Mark Ernestus apresenta Jeri-Jeri com Mbene Diatta Seck: "Xale"
Ben Vida: "Ssseeeeiiiiii"
Killer Mike: "Big Beast" (com Bun B, T.I., Trouble)
Björk: "Crystalline" (Current Value Remix)
DJ Rashad: "Feelin'"
Traxman: "I Need Some Money"
Death Grips: "Hustle Bones"
Frank Bretschneider: "Kippschwingungen part 8"
Actress: "Jardin"
Moritz von Oswald Trio: "Yangissa"
Animal Collective: "Honeycomb"
The Hundred In The Hands: "Keep It Low" (Patten Remix)
Cristian Vogel: "Lucky Connor"
Shackleton: "Seven Present Tenses"
Gaby Amarantos: "Mestiça" (com Dona Onete)
Keith Fullerton Whitman: "Occlusion"

segunda-feira, 18 de junho de 2012

(artigo) O mal-estar na Abundância
















Recentemente, em uma de suas colunas na Pitchfork, Mark Richardson comentava, usando como tema o Music from Saharan Cellphones Vol 1, o papel relativo de escassez e abundância em nossa maneira de fruir música hoje. Mesmo com o boicote de SOPA/ PIPA/ ACTA etc, é muito mais fácil ter acesso: é farta a oferta do próprio material musical, e é farta também a oferta de informação sobre música. Esse nosso site aqui é um dentre zilhões de exemplos: um coletivo de entusiastas se reúne para escrever sobre música e divulgar isso. 

Tenho quarenta anos, e consigo lembrar fácil de ter experimentado a escassez das duas coisas. Li na Bizz sobre o In the court of the Crimson King e se passaram anos até que eu conseguisse que alguém me gravasse uma fita – anos até que eu visse o disco. Vejam que não se tratava de algo particularmente obscuro – era King Crimson, um dinossauro progressivo e, ainda assim, nos anos 80, não estava aí nas quebradas não. Não faz muito tempo, era difícil ter acesso a todos os discos que se queria ouvir.

E pela mesmo via a coisa ocorria com a informação sobre música. Lembro de querer saber mais sobre La Monte Young – coisas simples, do tipo Quem é mesmo esse cara? O que esse cara tem a ver com o Sonic Youth? É boa a música dele? Melhor que a do Sonic Youth? Mas, claro, não encontrava nada – pois, por incrível que pareça para você que tem vinte anos hoje, já existiu um mundo sem internet. A fonte possível de alguma informação eram as revistas de música – coisas como a Bizz – e fanzines maluquete que a gente assinava, e recebia pelo correio. Eventualmente, um amigo mais endinheirado (eu tinha um amigo assim) comprava o New Musical Express, ou o Melody Maker, e isso era lido até gastar.  

Agora que tudo isso não é mais problema, pois contamos tanto com muita disponibilidade de música e de informação sobre música, é claro que os problemas aparecem em outro lugar. Um, fundamental pra mim, é a organização: é saber o que está aonde. Não me adianta ter um HD externo de 3T lotado de mp3 e não saber encontrar as coisas que quero ouvir. Preciso de organização. Por isso, passei os ultimos tres anos organizando cuidadosamente meu iPod. Capas, creditos corretos, playlists: um primor, quase 160G, muita música. O investimento de tempo foi grande, mas tem valor: eu uso muito esse aparelho, muito mesmo – é muito util pra mim. E, agora, tudo se foi, toda essa organização, todo esse investimento: tudo evaporou, pois o iPod morreu.

Meu mundo caiu. E, claro, sei que não é irremediável. Mas também não sei qual a lição que tinha de aprender com o incidente, embora ache que tinha de aprender alguma coisa.

Antonio Marcos Pereira

quinta-feira, 14 de junho de 2012

(crítica – disco) Beto Guedes – A Página do Relâmpago Elétrico (1977; EMI Odeon, Brasil)

























Assim como uma série de artista e compositores que confluíram dos festivais dos anos 60 para a diversidade dos 70, e que de alguma forma ficaram marcados pelo estigma da chamada “música regional”, o nome de Beto Guedes também acabou se restringindo a um contexto inconvenientemente particular. Porém, quem se arriscaria a negar que Lula Côrtes, Zé Ramalho, Alceu Valença, Guilherme Arantes, Flávio Venturini, Kleiton e Kledir, Sá e Guarabyra, entre outros, independente de suas respectivas contribuições estéticas, usufruem hoje de um acréscimo de universalidade, angariando interesse mundo afora justamente por expressarem sotaques próprios e intransferíveis? As reedições inglesas e americanas em vinil de artistas brasileiros desta época apenas atestam que toda a conversa estranha da “música regional” (ora, o sudeste é também uma “região”!) se constituía dentro de um maniqueísmo insustentável em tempos de comunicação acelerada, a saber: entre a classificação imposta pelas gravadoras e sua subsequente adesão por parte do chamado “grande público” — basicamente os consumidores de discos, fitas cassetes e shows. Rompido o estigma, chegou a hora de retomar a escuta desse conjunto de álbuns e artistas fundamentais, cujo brilho fora provisoriamente apagado pela segmentação estratégica da grande indústria.

Mineiro de Montes Claros, nascido há 61 anos, filho do seresteiro e compositor Godofredo Guedes (gravado pela cantora portuguesa Eugênia Melo e Castro), compositor, multiinstrumentista e cantor de timbre singular, Beto Guedes apareceu pela primeira vez no cenário nacional em 1969, ao lado de Fernando Brant, quando veio ao Rio participar do V Festival Internacional da Canção com a canção “Feira Moderna”. Considerado uma espécie de outsider, mesmo durante o período em que se juntou ao Clube da Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges, Ronaldo Bastos e companhia (sobretudo no álbum homônimo e em Minas), Guedes foi encarregado de executar diversos instrumentos (violão, guitarra, viola, contrabaixo, bateria, percussão, bandolim), construindo uma reputação ambígua: ora atrelada à sua indubitável competência de instrumentista, ora pelos modos singulares (para não dizer excêntricos) com que entoava suas canções e tocava esses mesmos instrumentos.

Esse conjunto de talentos e características idiossincráticas se catalisaram em seu primeiro álbum de carreira, A Página do Relâmpago Elétrico, cuja canção-título, composta por Guedes e Ronaldo Bastos, fora inspirada no álbum de um colecionador de fotos da 2ª Guerra Mundial, que continha uma imagem do avião “Relâmpago Elétrico”. Nenhuma metáfora seria capaz de reunir tantos elementos pertinentes e interligados: o contraste entre a organicidade da página de um livro com o termo “elétrico”, a remissão à eletricidade, que no entanto advém de uma força da natureza, o relâmpago, e todo o aspecto psicodélico embutido nessa imagem. A instrumentação se destaca pelo entrelaçamento inteligente do bandolim e do violão com o efeito chorus, executados respectivamente por Guedes e Zé Eduardo. A marcação também se destaca, feita a partir de chocalho de sementes e guizos, assim como a letra deste compositor genial que é Ronaldo Bastos, coloquial e delirante como poucos nesta mesma época — num comparação direta nesta mesma seara do “delírio coloquial” dos 70, talvez somente Luiz Melodia e a dupla Mautner/Jacobina estejam à altura. 

A influência do rock progressivo é perceptível, não só pela presença no órgão de Flávio Venturini, que em 75 havia ingressado no grupo O Terço, mas também pela bateria inconfundível de Robertinho Silva, egresso da experiência com o Som Imaginário — que não só havia gravado seus três discos de carreira, mas acompanhado Milton Nascimento na versão ao vivo da obra-prima Milagre dos Peixes. Esta influência pode ser avaliada pelo leitor em faixas como a instrumental “Chapéu de Sol” (Beto Guedes e Flávio Venturini), na qual Guedes toca moog e flauta, e na pegada folk de “Salve Rainha” (Zé Eduardo/Tavinho Moura). Porém, como o Clube da Esquina não se restringia aos maneirismos do rock, abraçando toda espécie de manifestação musical, vale sublinhar a evidente influência deste ambiente sobre o disco, como, por exemplo, no forte sotaque andino de “Maria Solidária”, ou no choro “Belo Horizonte”, que conta com o clarinete luxuoso de Abel Ferreira. Outras presenças que marcam a sonoridade do álbum: Toninho Horta no contrabaixo e na guitarra, e Holy na percussão e na bateria.

Outro destaque do disco é "Nascente", de Bastos e Murilo Antunes, uma canção gravada por muitos artistas, inclusive Milton Nascimento e Flávio Venturini, entre outros. Mas foi através da balada rock-folk “Lumiar”, dedicada a um célebre reduto bicho grilo localizado no interior do Rio de Janeiro, que o disco ganhou alguma projeção, vendendo o triplo do esperado pela gravadora. A guitarra aguda, a as viradas de bateria e pratos estridentes, o piano quase percussivo pontuando a melodia, fazem de “Lumiar” um clássico absoluto dos anos 70, que ainda fascina 35 anos depois. No entanto, a faixa foi injustamente inserida no grupo de canções que obtiveram o excesso do reconhecimento popular e, por conseguinte, uma antipatia semelhante a que sofre a música de Bob Marley e Raul Seixas. Um efeito tão natural quanto previsível, ainda mais se levarmos em conta a situação exposta no início do texto.

Mas que não se engane o leitor, pois Beto Guedes não é apenas um grande instrumentista, muito menos se resume a uma espécie de hitmaker, idolatrado por universitários e hippies de última hora. Estamos a falar, antes de mais nada, de um compositor de harmonias e melodias fortemente evocativas (em “Choveu”, com Ronaldo Bastos, e “Bandolim”), de um artista capaz de usar sua habilidade de arranjador para criar climas simultaneamente bucólicos e solenes, e, sobretudo, de um cantor excepcional. Seu canto anasalado, repleto de falsetes e imprecisões, e que rende comparações inevitáveis com Dylan e Neil Young, se destaca pelo timbre peculiar, de tal forma que podemos remeter a um verso que Bowie dedicou a Dylan: “a voice of sand and glue”.

A Página do Relâmpago Elétrico pode, no fim das contas, dar a impressão de ser um disco que atira para todos os lados, mas talvez seja este o seu maior trunfo. Parece que, ao fazê-lo, Beto Guedes desejou criar para além de uma obra musical, uma espécie de auto-retrato em andamento, como o comprova a combinação ideogrâmica de sua foto (ou de seu pai?) com o símbolo de uma semente, que se repetiria nos álbuns seguintes, Amor de Índio (1978) e Sol de Primavera (1979).  

Bernardo Oliveira