sexta-feira, 8 de maio de 2015

Tyler, the Creator - Cherry Bomb (2015; Odd Future, EUA)

























Depois de três discos que compartilhavam uma temática até certo ponto em comum, mediados por um jogo de alter egos que tinha no tal Dr TC a sua base motora psicanalítica, Tyler tem nesse seu Cherry Bomb a oportunidade de renovar seu arsenal ao mesmo tempo que dá continuidade a uma discografia que, agora, começa a ganhar forma. Já em Bastard, Dr TC dizia que seriam três sessões, e se depois do próprio Bastard (2009) e de Goblin (2011), a coisa terminou de uma forma relativamente morna em Wolf (2013), ainda que muito rica em toda a sua vocação narrativa já presente desde o primeiro disco, em Cherry Bomb temos praticamente a celebração de um potencial restaurado e de uma liberdade musical sempre implícita. Inclusive, é até um pouco como se Tyler, no disco, celebrasse justamente uma certa autoconsciência de todo o seu potencial, tanto nas letras, que estão cada vez mais megalomaníacas e recheadas de uma obsessão controladora, como em toda a dinâmica timbral do trabalho, com bases que se intercalam entre uma musicalidade muito pontual e melódica, e outras de uma anarquismo sonoro bastante explícito. Um jogo de sonoridades e temáticas ambíguas que vislumbra horizontes tão distintos como absolutamente possibilitadores. E apesar de toda essa heterogenidade, o disco nunca cai numa viagem aleatória, conserva muito bem uma unidade melódica elementar, ainda que de polarizações extremas, o que não deixa de reiterar todo o talento nato de Tyler como produtor, possivelmente um dom que o ajudou a chegar aonde ele está hoje.

Talvez o que salte ao olhos em Cherry Bomb, já de cara, é um contexto quase positivo do disco, que se foca, principalmente, em ideias de controle, liberdade e independência, seja partindo de uma abordagem ultra agressiva, como na faixa título “Cherry Bomb”, com seu noise rock à Black Pus e seu vocal gritado de tom ultra imperativo ("Come and light my fire, I'll blow your fuckin' face off / Nigga I'mma goddamn pilot / And I decide when we gon' take off) ou ainda na jazzística e terna “Find Your Wings”, um duo com a colombiana Kali Uchis, de quem Tyler já produziu algumas faixas e se assume como uma mensagem de incentivo, ainda nessa temática do controle ("Supposed to fly and take control cause you're the pilot / You can't swim, you're gonna drown, the sharks are comin' / The sky's your home, there's no limit, you know you gotta / Find your wings (fly)) O que remete, diretamente, a um post (https://www.facebook.com/TylertheCreatorOfficial/posts/345111099004893) de Tyler no facebook, publicado em dezembro do ano passado, um textão de encorajamento dos mais dignos.

Não deixa de ser curioso que uma carreira especulada justamente sobre uma metralhadora ofensiva, fundado sobre um constante atitude inconsequente, tenha sua principal fonte de inventividade, agora, em um contexto de harmonia e realização, de plenitude até. Mas diferente de um sinal de resignação, como alguns poderiam pensar, o que isso denota, acima de tudo, é uma guinada estética que celebra a liberdade artística. Mesmo a abordagem ultra ofensiva dos últimos discos (que não vamos nos enganar, ainda continua implícita aqui) tinha muito mais a finalidade de se estabelecer como uma base musical estética, do que exatamente incitar um ódio intolerante. Era quase um exploitation rap, em alguma medida, que assumia o extremo como uma mediação criativa. Não por acaso a sonoridade da Odd Future já foi chamada de Horrorcore, gênero que Tyler sempre fez questão de rejeitar. E mesmo o mantra da independência aqui (a frase “Find your wings” é repetida inclusive em outras faixas) já denota essa moral implícita da liberdade que, definitivamente, Tyler já é adepto desde o seu primeiro álbum. 

Claro que essa suavização não significa uma domesticação, já que, desde sempre, de uma forma ou outra, o rapper se alternou muito bem entre esses pólos extremos, mais especificamente ao tentar articular seu constante apreço pelo jazz. O que acontece, em Cherry Bomb, é que isso está mais evidente. Uma faixa como "Fucking Young/Perfect", seu oportuno duo com Charlie Wilson, talvez seria impensável em um disco anterior, com sua atmosfera de soul retro, sua vocação para baladinha pop de flerte ilegal. Ou a francamente rockeira “Deathcamp”, que contou a participação de Cole Alexander do Black Lips, com sua guitarra ultra veloz que funciona muito bem como base para essa espécie de conto punk-rock sobre a fama, outro tema comum na carreira de Tyler e que aqui ganha ares fantásticos comparáveis a de um campo de extermínio: "Better pose for that camera / Better pose, boy you better pose / And it's your life nigga I suppose / For the lights, for the camera, and the action / Now you're face is meltin' from the flash of the big ol' lights / Nigga you ask for this life / Welcome to death camp."

Mesmo quando o disco se mantém próximo de uma zona de conforto do hip-hop, como na épica “Smuckers”, que conta a participação simultânea de ninguém menos que Kanye West e Lil Wayne, Tyler consegue se focar em uma dinâmica muito fundamental do rap, nesse estrutura de versos e embates que se solidificam e se fortalecem, sempre preservando todas as particularidades das vozes, absolutamente únicas, de Kayne e Wayne. “Bufalo”, possivelmente uma faixa que remete mais explicitamente aos discos anteriores de Tyler, e inclusive a que flerta mais diretamente com a sua estética do ódio, por assim dizer, até começa com uma base minimalista, que sampleia Bunny Sigler, mas aos poucos a faixa vai agregando basicamente todo tipo de som, criando uma série de camadas anárquicas que,  se por um lado nunca se articulam obviamente entre si, geram toda uma sonoridade babélica que compete com o tom agressivo do vocal de Tyler. 



Todo esse senso de liberdade e realização do álbum, esse seu tom quase motivacional, pode até soar ingênuo de algum modo, e de muitas maneiras ele é mesmo de uma inocência quase ingênua. Mas Tyler parece tão entregue nesse seu ideal profissional, esse ideal que um dia nunca passou de pura utopia e hoje é mais do que concreto, que não deixa de ser muito inspirador ouvi-lo narrar todo esse trajeto muito bem-aventurado. E se a essência do pop sempre esteve, de algum modo, intrinsecamente ligada a um fatalismo implícito, muitas vezes é de uma disposição assumidamente celebratória que brotam as peças mais estimulantes.

Arthur Tuoto

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Matana Roberts – Coin Coin Chapter Three: River Run Thee (2015; Constellation Records, EUA)






































1.
O tempo como problema filosófico e, por consequência, a memória enquanto algo mais que um repositório de impressões e experiências, foram temas centrais para a arte e o pensamento produzidos durante o século XX. As relações entre tempo e subjetividade foram desdobradas não somente pelos conceitos filosóficos de autores como Bergson, Heiddeger ou Deleuze, mas se originaram em contextos nos quais a arte tendia a fornecer respostas mais eficazes, seja através de problematização teórica (Boulez, Klee), seja através de obras de arte concretas, como o “Quarteto para o fim dos tempos” (Messiaen) e as pinturas de Malévitch. O tempo contado do relógio e das relações sociais, que fornece o parâmetro adequado para que os exércitos marchem e os trabalhadores cumpram seu turno, seria o tempo da representação, ao passo que o tempo afetivo, o tempo não-contável dos artistas, constituiria o tempo da expressão.


2.
Como afirma Deleuze, em A Lógica do Sentido: “(…) as representações sensíveis são designações, as representações racionais significações, mas somente os acontecimentos incorporais constituem o sentido expresso” (DELEUZE, p. 148, 2013). Assim, entre a representação e a expressão do tempo há uma diferença de natureza que os artistas souberam exprimir de forma mais concreta e múltipla daquela exposta pelos filósofos. Como os acontecimentos incorporais, a memória tende a se exprimir na sua própria atualização, o que implica em dizer que a memória é sempre criativa, e não representativa. A memória, portanto, não se resume a um dispositivo de rememoração e atualização, mas também de criação.


3.
Matana Roberts parece estar ciente desta distinção. Compositora, instrumentista, bricoleur, poeta dos sons e das palavras, Matana opera com o som, o tempo e a memória em uma direção singular. Sua música autoral visa a reelaboração do legado cultural diaspórico na América sob um ponto de vista “pós-racial”, isto é, um enfrentamento dos conflitos e das redefinições impostas pela América de Obama encarados de forma mais complexa daquela que separa raças e credos no espírito do capitalismo. Para realizar este projeto, Matana vem aos poucos concebendo uma panaceia sonora capaz de trazer à tona não somente este presente conflituoso e, quem sabe?, promissor, mas todo um apanhados de objetos sonoros e experiências reunidos sob uma técnica particular batizada inicialmente como “Panoramic Sound Quilting”: “Em suma, é uma linguagem que tenho desenvolvido desde 2005 — um sistema de linguagem de som chamado PSQ (Panoramic Sound Quilting), que usa a notação musical ocidental e trechos de idéias visuais, tudo reunido para representar um som ‘acolchoado’, coeso, que me intrigue e desafie como compositora e musicista, assim como ao ouvinte.” 


4.
Como escrevi em um artigo que antecipava seu primeiro show no Rio de Janeiro em 2013, o projeto COIN COIN “consiste em um panorama sonoro programado para doze capítulos voltados à exploração de temas como memória, imaginação e ancestralidade. (…) A intenção é ressignificar os traços dessa cultura em vistas de sua atualização e problematização, não como um balanço retrospectivo, mas como um dispositivo criativo endereçada ao futuro.” Ressignificar, bem entendido: recusar as representações disponíveis, sondar a memória enquanto provedora de imagens e afetos, amplificar a subjetividade, borrar as fronteiras da representação, remodelar a experiência presente. Se podemos afirmar hoje que o problema político se concentra em uma disputa pelo espaço da imaginação pública, é possível identificar no embaralhamento sonoro-afetivo proposto por Matana a marca indelével de uma artista capaz de vincular experimentação e política como poucos no panorama da música contemporânea. 


5.
Munida de um conceito (a expressão da América pós-Racial como um dispositivo criativo endereçado ao futuro) e de uma técnica de composição (Panoramic Sound Quilting), Matana vem construindo seu projeto COIN COIN. A cada volume, um desenvolvimento particular do conceito e da técnica. No terceiro volume da série (ouça aqui), uma surpresa: ela está sozinha. Não divide mais com os músicos a responsabilidade de mediar expressão sonora e conceitual. Ela é responsável por tudo: conceito, som, disposição dos elementos, apresentação em concerto. De início, percebe-se que o conteúdo provocador sobressai. No concerto realizado em 2013 no Rio de Janeiro, ela, negra, adentra o palco com um “Black Face”. No lançamento do álbum em janeiro deste ano em Nova Iorque, duas bandeiras, a norte-americana e a dos Confederados, a segunda operando uma função semelhante àquela desempenhada pelo "black face" no show do Rio. Sobre a bandeira norte-americana, dois objetos simbolizando a passagem do tempo: uma vela vermelha acesa (o tempo queimando, o tempo subjetivo) e uma ampulheta (o tempo contável), volta e meia revirada. Um livro de São José e um fichário sugerem as palavras, cantadas, sussurradas, gritadas, exorcizadas, expelidas. Saxofone, clarinete, samplers e eletrônicos construindo com sons um cenário pós-racial, mas ainda assim conflituoso, distópico.  



6.
No encarte da terceira parte de COIN COIN há uma frase que se encontra em íntima relação com o conteúdo do projeto: “Uma panacéia sonora para o que o que aflige a mim, a você... uma coleção de sons que assentam o tempo, assentam a memória naquele espaço para além lembrança…” A memória, situada para além da lembrança, constituiria então um espaço ambíguo entre a reconstituição fidedigna do tempo vivido, e aquela memória impressionista, composta por camadas e mais camadas de fragmentos  avulsos, sons e imagens que, como as fotos impressas no encarte do disco, foram manchadas e envelhecidas pela passagem do tempo. Trata-se portanto de uma atitude de descrédito perante o turbilhão da memória: reiterar os traços do presente e da representação ou reencená-los através de um espírito desafiador? “Come away, come away…” ela repete em uma das faixas de COIN COIN 3. Podemos encontrar uma atitude semelhante em uma canção do Funkadelic em que Clinton pergunta a seu brotha nigga: “Ain’t you deep in you semi first class seat? You picket this and protest that, and eat yourself fat!”


7.
Em comparação com os dois primeiros volumes, COIN COIN 3: River Run Thee é de longe o mais estranho e incomparável. O mais rico em contribuições e ideias. O volume capaz de exprimir o sentido geral do projeto de maneira mais contundente, difícil e, ao mesmo tempo, inebriante. A colagem é, sem dúvida, mais complexa que nos discos anteriores. Não se percebe imediatamente o papel de cada instrumento, eles estão justapostos e modulam com vozes, sons do cotidiano, ruídos de naturezas diversas, rumores. O amálgama impressionista sobressai à própria noção de “instrumentação”. Composto por uma miríade de elementos, River Run Thee ensaia tempos simultâneos através de gravações de campo extraídas de uma estadia temporária no inverno do Mississipi/Tennessee/Louisiana e da “caótica Nova Iorque do século XXI”; trechos de um discurso de Malcom X (“Confronting White Opression”, 1965); excertos dos escritos de Captain G.L. Sullivan e de W.M. Scott; canções de domínio público como “Star Spangled Banner” (Francis Scott Key), “Beautiful Dreamer” (Stephen Foster), entre outras. Matana canta, fala, toca seu saxofone alto, um piano vertical Archambault do início do século passado, sintetizadores. 


8.
A impressão de caos sonoro da primeira audição vai se transformando em uma torrente de acontecimentos e impressões com caráter indefinido. E no entanto, ainda assim, a impressão de um rio correndo em fluxo desenfreado não cessa. COIN COIN 3 não é um disco de “faixas”, mas de afetos que atravessam a experiência da audição. Em favor da expressão, Matana recusa a representação, isto é: para exprimir uma arte alienígena e endereçada ao futuro, prefere abrir mão dos significados disponíveis e leva o problema político-racial da América para o campo perigoso e inapreensível da expressão. Durante as audições, me lembrei do conto de Guimarães Rosa, “A terceira margem do rio”, as margens psico-metafísicas mais ou menos detectáveis no peito de cada um. Lembro de Riverão Sussuarana de Glauber Rocha,  “renovela”, “recordel” que combina narrativa, teatro, poesia e jornalismo em um estilo absolutamente original e sem seguidores. Mas referências não explicam a magnitude do trabalho. Talvez seja o caso de, pelo menos aqui, seguir os conselhos da autora: “Melhor ouvi-lo em um quarto escuro, alto, em uma sessão ininterrupta, com alguém que você ama, que talvez também te ame?”.

Bernardo Oliveira

segunda-feira, 20 de abril de 2015

A Reforma do Funk: Putaria Contemporânea





















No que diz respeito aos movimentos musicais do século XXI e, em especial, dos anos 10 no qual vivemos, o funk brasileiro merece atenção especial. Não somente devido a sua capacidade ímpar de traduzir, refletir e modificar diversas características da contemporaneidade, mas também à enorme relevância artística que esse movimento apresenta para a música brasileira. Se a saturação das proposições estéticas consagradas na música pop é evidenciada enquanto as mesmas se distanciam de suas possibilidades de atualização, é na reinvenção dos modelos de criação e publicação do material produzido que o funk conseguiu retomar uma dimensão de aproximação criativa com os ouvintes.  No entanto, as abrangentes denominações “funk” ou “funk carioca” devem ser especificadas no que concerne aos seus componentes nominais ou cronológicos. Portanto, admitir-se-á uma configuração estética: o funk produzido incialmente no Rio de Janeiro (e posteriormente em São Paulo) a começar por 2008, mas que se concretizou enquanto tal entre os anos de 2010 e 2014.

Em sua maioria, o funk contemporâneo em questão está imerso ou se deriva da Putaria, corrente estética reformada e reinaugurada por Mr Catra no final dos anos 2000. Concentrando o potencial criativo de suas canções, que nada tem a ver com as noções de unidade ou particularidade, no que parecem ser pontos de convergência e recontextualização, a estética aqui exposta se apresenta interconectada e fluente, numa relação de continuidade direta no que concerne a cada música e sua relação com o todo do estilo. Não surpreende, portanto, que a dinâmica de publicação do material se dê por um intermédio polarizador: a página de lançamentos do Z3. Criado em 2008, o canal do Youtube e perfil do Facebook goza de grande prestígio entre os guias da cena atual, constantemente homenageado nas montagens e medleys periódicos criados por um ou mais Mcs e Djs. A página do Z3 age como um ponto virtual em comum da cena, uma plataforma através da qual a configuração se delimita. É, no entanto, a partir dessa delimitação que os textos gerados dentro da cena circulam, se ressignificam e criam novas abordagens e aspectos de um mesmo verso. 

É evidente que o funk Putaria já vinha se desenvolvendo desde o final dos anos 90 e início dos 2000, tendo como um de seus representantes o Bonde do Tigrão. Percebe-se, no entanto, que com o considerável declínio do Proibidão, não só a Putaria passou a representar a grande parte do contingente de material produzido no funk, quanto a musicalidade da própria se modificou em diversos aspectos. Tanto na incorporação da estética do Proibidão quanto na presença de Mcs provenientes do mesmo para dentro das redes de criação do novo movimento. A transição do funk Proibidão para a Putaria contemporânea consiste, portanto, numa metamorfose musical e poética de grande relevância para a música popular brasileira e, naturalmente, de grande importância para o desenvolvimento da Putaria cotemporânea. Dessa metamorfose criou-se, em particular, uma nova abordagem da relação entre os compositores e suas obras, e a relação que as obras guardam umas com as outras, entre suas singularidades e o todo do estilo, a configuração. É na música de Mr Catra mas que somente na nova geração funkeira – Mc Carol, Mc Magrinho, Mc Gw, Mcs Bw, Mc Nego do Borel - ganham sua forma mais particular e significativa no cenário atual sob a identidade musical dos lançamentos do Z3.



O Proibidão, como explicita o nome, tem como ponto de partida a antinomia Favela x Estado ou Funk x Cultura Oficial. Não surpreende, portanto, que caiba a ele as instâncias do trágico e do épico. O Mc, no Proibidão, é o porta-voz da ética do Comando e a ética da favela. Ele é um símbolo vivente, é o poder que nasce do não-poder e que convoca o público para a identidade na resistência. Nessa relação, portanto, a expressão do funk se cria exatamente enquanto embate de potências, dentro do âmbito concreto-histórico. O absolutamente diferente é o motor inicial, o ponto de partida para a exaltação bélica e ética do Poder Paralelo. A ética do Proibidão – amálgama do Comando e da Favela – é a ética do Poder. No entanto, é o sofrimento que precede e possibilita esse poder em primeiro lugar. As imagens proclamadas por Mc Smith em “Vida Bandida” exemplificam o simbolismo citado:

Nossa vida é bandida e o nosso jogo é bruto,
hoje somos festa, amanhã seremos luto.
Caveirão não me assusta, nós não foge do conflito,
nós também somos blindado’ no sangue de Jesus Cristo.”

Fica evidente, portanto, que o ponto central do Proibidão enquanto fenômeno cultural consiste na reivindicação de subjetividade por parte da favela frente à reificação marginalizante do Estado e da cultura oficial. Em Vermelhão Faixa de Gaza, de Mc Orelha, os versos “Não somos fora da lei, porque a lei quem faz é nóis/ Nóis é o certo pelo certo” explicitam mais uma vez que a autonomia ética e moral do eu lírico parte da negação de uma condição imposta a priori. Diferentemente da trova criminal do cangaceiro Volta Seca, por exemplo, o funk de Mc Orelha ou Mc Frank glorifica sua ética baseada na instauração de novos valores morais que se opõem pragmaticamente aos valores que os aprisionam na pobreza e na marginalidade. Portanto, ainda que ambos se reconheçam como opositores de uma moral vigente, ou seja, como foras da lei, no Proibidão existe a perspectiva de emancipação da marginalidade através da instauração de novos poderes bélicos e institucionais. É, também, indissociável da característica ética, guerreira e institucional do Proibidão as sonoridades secas e concretas do estilo em geral: a predominância da voz como principal meio de expressão, suas entonações exclamatórias e as batidas cruas (normalmente derivações simplificadas dos experimentos de Grandmaster Raphael, Dj Luciano, entre outros) repletas de samples de armas e outros que contemplem os temas abordados – um exemplo significativo é a narração tirada do Jornal Nacional utilizada em Retorno dos Cria de Vigário Geral, de Mc G3, referente à invasão em questão

Em 2010, no entanto, com a intensificação do projeto estadual do Rio de Janeiro conhecido como UPPs, um acontecimento marcou a transformação da conduta principal do funk. A prisão ilegal dos Mcs Frank, Ticão, Smith e Max foi um episódio chave no processo de ocupação cultural das áreas dominadas pelo Poder Paralelo. Ainda que os mcs tenham recebido seus alvarás um pouco mais de uma semana após a prisão, o processo de desconstrução do funk proibido que já se fazia presente desde 1999 com a “CPI do funk”, fez-se ainda mais evidente. Ainda que não inteiramente, as áreas de fronteira entre a favela e o asfalto foram apropriadas pela força do Estado, destruindo pilares da constituição do Proibidão, e parte considerável da produção funkeira migrou as suas inquietudes e potências para outras instâncias de expressão e realização.

É nesse momento que, como desejo explicitar, as figuras de Mr Catra e a nova geração funkeira se tornam centrais. Tanto na invenção de uma nova expressividade que o estilo assume quanto na instauração de uma vanguarda musical propriamente dita, a Putaria carioca retrata a digitalização e a possível descontextualização física do funk. Na decadência do Proibidão, marcada pelas prisões ilegais citadas, sob a influência das alternativas pontuais aos seus moldes clássicos e a dinâmica efêmera e associativa da linguagem digital, Mr Catra instaura uma estética singular e dá o sinal de partida para uma nova era da Putaria e do funk. Sua enorme influência é irrevogável e explicitada na nova geração funkeira. Não somente o criador da mais disseminada batida da Putaria moderna, o beatbox que, hoje, é a característica principal do estilo, Catra também instituiu uma nova estética de maneira determinante, tanto musical quanto poeticamente.



Desde 2008, quando foi lançada a música Vai Começar a Putaria, é possível perceber as mudanças de diretriz que o movimento vem apresentando. Se o Proibidão era marcado por uma linguagem simbólica, construções frasais imperativas e exclamatórias e batidas secas e diretas, a Putaria de Mr Catra inaugura outras bases, poéticas e musicais. Os samples e loops se tornam mais complexos e coloridos e a abordagem poética se desvencilha das referências narrativas e éticas do Proibidão. Sobre o funcionamento da temática sexual do funk e seus desdobramentos, afirma o musicólogo Carlos Palombini:

”A sexualidade mirabolante do funk carioca é uma fantasia, tão mais efetiva quanto mais distante da realidade, quanto mais derivativo e musical o sentido que lhe seja atribuído. Os expletivos e gemidos da Putaria são decompostos, recompostos e repetidos na exploração dos recursos do instrumentário eletrônico, isto é, no exercício daquela engenhosidade na distribuição dos restos da qual depende o sucesso do baile e o estatuto de músico do artista.”  

É interessante perceber, no entanto, que apesar do desvencilhamento institucional da Putaria, não se desenvolve em Mr Catra, como exposto na observação de Palombini, uma desconstrução da dependência da música do fenômeno do baile. Por mais que a linguagem associativa e fantasiosa em suas Montagens de 2009 e 2010 já se mostre como uma instância essencial na metamorfose do funk atual, não existe uma descontextualização dos fragmentos linguísticos com relação ao baile funk. O distanciamento paulatino que se observa ao longo do desenvolvimento desse momento da Putaria se evidencia, em especial, na música de Mc Carol e nas diversas montagens, sucessagens, medleys da página do Z3.  Influenciada, conscientemente ou não, pelas contundentes proclamações de Mc Magalhães e suas quebras gramaticais e morfológicas e a transposição das estruturas do Proibidão para uma temática de Putaria da Chatuba de Mesquita, Mc Carol parece inaugurar a combinação de diversos aspectos fundamentais à Putaria contemporânea: a linguagem conjuratória de fragmentos eróticos, a agressividade cômica, os arranjos frenéticos de samples sobrepostos e ritmos inconstantes e a descontextualização da Putaria. Em Mc Carol não são apenas versos acerca da sexualidade que, através do seu esvaziamento semântico, se desmembram sob ritmos intensos e inconstantes. Suas confissões, crônicas, desabafos e delírios, sob a estrutura (ou anti estrutura) poética e musical do movimento em questão, criam aberturas e rupturas no próprio.



Que o funk já é a expressão musical mais significativa em termos de popularidade no sudeste do Brasil é incontestável. Nota-se, paralelamente, que ele também apresenta uma nova etapa na música popular brasileira, tanto nos quesitos de musicalidade propriamente dita quanto na apreensão das obras por parte do público. Ignorá-lo ou, talvez até mais equivocadamente, encará-lo sob o rótulo de “rap brasileiro” é, em 2015, uma perda. Sua dimensão e originalidade quebram as supostas barreiras do registro popular e dão a pensar a outrem. Entender o funk é criar e reinventar, dilacerar seus gritos e gemidos para recompô-los fecundamente, como o próprio nos ensina a fazer.

Projeto Funkadélico
O projeto Funkadélico, que surgiu no final de 2012, tem como objetivo principal apresentar as músicas que deram a base para que o desenvolvimento do funk em questão fosse explicitado. Mais precisamente, no final do primeiro volume, é com a sequência explosiva do Ao Vivo no Catarina, de Magrinho e Fhael, que o funk pós-Mc Catra começa a ser contemplado nos seus infinitos desdobramentos: a originalidade ímpar e exemplar de Mc Carol, a interpretação vocal clássica de Mc Magrinho, a influência do pagode atual através das improváveis e sutis melodias de Mc Gibi, a exploração técnica e profunda das formas fixas da “Putaria” contemporânea dos Mcs BW, o natural e incansável ecletismo de Mc GW, o humor desconcertante de Mc Nego do Borel, os múltiplas tonalidades e arranjos da época do volume IV nos Mcs Andinho do Rodo, Roba Cena e Tikão e os ecos e cadências minimalistas de Mc Galáxia no volume VI, entre outros. Sob a influência da página de lançamentos do Z3 do Youtube, o Funkadélico pretende expor um pouco do “zeitgeist” do funk atual e, consequentemente, da música brasileira em um de seus mais permeáveis e incisivos gêneros.

Gabriel Marques

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Yersiniose – 1911 (2015; Seminal Records, Brasil)


























Orientação e localização: uma técnica que se desenvolveu junto com a própria humanidade. Fazer uso de pontos de referência e seguir os astros foi uma forma que o ser humano encontrou para não passar a vida andando em círculos, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ao longo de milhares de anos, as técnicas de orientação tornaram-se mais precisas. Grosso modo, instrumentos como a bússola funcionam de uma forma relativamente simples: um imã e uma agulha que gira sobre uma rosa dos ventos. Ao menos na teoria, não tem como dar errado. 

Construindo uma aventura em RPG: há um evento principal, que é por onde a história segue e eventos paralelos que fazem você imergir naquele universo a partir do enredo principal. Cada escolha está sujeita a uma consequência, seja ela boa ou ruim. A fantasia da especulação é uma das palavras-chave na Gestalt-terapia e uma espécie de contraponto à máxima budica do “você não controla nada”. Saber balancear de forma sadia o desapego e o outro em fantasia é um dos principais desafios do homem moderno.

Mês sem metal: alguns camaradas do Anticvlt aceitaram o desafio de um “mês sem metal”. O nome é autoexplicativo: um mês inteiro sem ouvir metal ou outros estilos com guitarras distorcidas predominantes, como o hardcore/punk. A princípio, parece algo bastante simples – mas só parece. “Rock” nunca foi música ambiente - é algo ligado ao desejo. E todo mundo que gosta sabe como é difícil dizer não à vontade de ouvir um Eyehategod bolado. 

Rock e produção músical: é incrível a capacidade dos produtores de transformar delinquência juvenil em vinheta do Globo Esporte. Do punk ao heavy, tudo pode soar global. Em sua essência, o rock e suas vertentes é um gênero pra ser tocado e ouvido em um volume ALTO, contando com um belo PA ou um bom par de headphones à disposição. Com base nisso, desenvolvo a crítica sobre o 1911 com base em duas escutas distintas: com fones de ouvido (rock) e sem fones de ouvido (“o outro”).

Que a aventura comece: se você é metaleiro, pule dois parágrafos. Nossa jornada começa em 2005, mas poderia começar muito antes disso. Nessa época, eu trabalhava em uma biblioteca. Toda vez que eu precisava fazer algum serviço externo (retirar pedidos, restaurações, entre outras atribuições) pegava carona com o motorista da empresa, um cara de meia-idade fã de heavy metal tradicional nacional. A bordo de uma Kombi e ao som de Harpia, provavelmente formávamos a dupla mais ridícula do sempre insano trânsito da zona oeste de São Paulo. A pauta normalmente girava em torno das histórias do Rainbow bar (tradicional reduto de rock e heavy dos anos 80). Alguns ocasionais “você ainda estava no saco do seu pai...” marcavam o compasso. Se meu pai perdesse um espermatozoide cada vez que eu ouvi essa frase, provavelmente eu nem teria nascido. 

Como punk ou metaleiro, sempre fui uma decepção - “Constrangido e constrangedor”, nas palavras de uma amiga. Minha jaqueta de couro não tem cheiro briga de bar e eu nunca deixei o cabelo crescer de forma digna. Posso dizer que desenvolvi uma identidade quando eu abdiquei de ter uma. Eu explico, foi mais ou menos em 2005, quando me envolvi de fato com o noise e o industrial. “Industrialista” e “Noiseiro” são nomenclaturas comuns, mas que nunca saíram da esfera do pejorativo. E foi nesse contexto de desconstrução/reconstrução que eu conheci Lucas Pires, Cadu Tenório e Mario Brandalise, que já trabalhava com noise e industrial em alguns projetos embrionários, preparando o terreno para o que seria o Yersiniose.

1911 (sem fone): os loops de pouca variação possuem uma carga de tensão típica do power electronics europeu. Deixando de lado as referências sonoras e focando na tensão propriamente dita, me lembra um pouco o trabalho do VICTIM! (em especial o “Lacuna”) e algumas coisas que tiveram o dedo do Mikko Aspa (Nicole 12 “Black Line” e o seu recente trabalho de produção em “Decrepit”, último cassette do Mania). Você já adentrou uma casa abandonada? Consegue se lembrar de como as coisas soavam dentro dela? Não é difícil sentir medo do som de seus próprios passos. Há uma aura de trauma muito forte ao longo das quatro faixas. Associo a tensão aos espaços preenchidos pelo silêncio e a carga dramática que ele constrói. Todavia, 1911 não é NADA silencioso – é uma ode ao abandono, tudo soa triste nesse álbum.

1911 (com fone [parágrafo metal]): Tive a oportunidade de dividir o palco com Mario Brandalise em uma das noites do ENCUN (Encontro Nacional de Compositores) e não pude deixar de me surpreender com a potência e o desempenho do Yersiniose ao vivo. Tudo (especialmente os graves) estava MUITO alto. Sabe aquele papo de metaleiro que assistiu o Venom + Exciter em 1986 e se gaba de ter visto o show mais alto de todos os tempos? É bem por aí.  Para os parâmetros do Ibrasotope, foi. Cada estrutura e cada espaço de performance abriga o Venom + Exciter que condiz com a sua própria realidade. Industrialistas poderiam associar facilmente o 1911 à nata da Tesco Organisation, mas não é um trabalho restrito a um determinado segmento, agradando àqueles que se interessam por música alta e grave chavoso.

Armadilha: o conceito de “música alta” na contemporaneidade pode se relacionar diretamente à problemática no processo de pós-produção dentro do universo da música pop. Se essa foi a sua primeira associação, volte ao primeiro parágrafo.

Thiago Miazzo



quinta-feira, 19 de março de 2015

Aphex Twin – Computer Controlled Acoustic Instruments Pt2 EP (2015; Warp, Reino Unido)

























Em agosto do ano passado, um dirigível verde neon cruzava os céus de Londres. A inscrição não poderia deixar dúvidas, mas as perguntas se multiplicaram, assim como as infindáveis camadas de especulações. Mais tarde, a confirmação: a reaparição de Richard D. James através de seu mais célebre pseudônimo, Aphex Twin. James produziu durante esse período — os Analords, The Tuss, alguns remix como AFX —, mas como Aphex Twin seu último lançamento foi o controverso Drukqs. A primeira dica teria sido o crowdfunding para reeditar o álbum perdido do Caustic Window, um de seus muitos projetos simultâneos. Teria ele produzido durante um extenso período de silêncio e, agora, tratava de descarregar esse material? Ou a reaparição traria uma nova abordagem para sua música? O que foi deixado para trás? O que viria adiante? 

Quando Syro foi editado em 2014, as opiniões se dividiram. E com razão. De um lado, aqueles que se decepcionaram, pois esperavam uma ruptura, um rompante de novidade que justificaria seu passado de glórias. De outro lado, aqueles que, como eu, se deleitaram com a retomada quase inalterável de uma gramática singular, uma coleção de faixas perfeitamente integradas a uma parte significativa de seu legado. Sobretudo aquele editado nos álbuns …I Care Because You Do (1995) e Richard D. James Album (1996), isto é, uma variedade justaposta de beats anômalos, melodias singelas e timbres estranhos, geralmente associados a rótulos como IDM, com pitadas de breakbeat, drill’n’bass ou ambient (uma ambient absolutamente particular, diga-se de passagem). Álbuns como Drukqs e os Analords, por exemplo, constituiriam outras vertentes possíveis, mas que foram descartadas em favor de um caminho mais seguro, através de beats bem construídos e extensa variedade de sons sintéticos e vozes processadas.    

Situado na grade de timbres e ideias do Aphex anos 90, Syro, no entanto, se apresentava como um disco a meio passo da pesquisa e do rascunho. James, em entrevista, confirmou que o lançamento do disco representava para ele um “encerramento”, uma liberação para novas experiências. Semelhantes aos rótulos classificatórios com os quais nomeamos arquivos de computador, os títulos das faixas traziam também os nomes de equipamentos clássicos como o Korg Mini Pops e o Sequentix Cirklon, ambos utilizados no disco. Esses títulos pareciam indicar uma qualidade provisória, o resultado parcial e concentrado das inúmeras experiências de um workaholic insone. Na verdade, tratava-se de uma série de faixas desenvolvidas durante três anos, enquanto o artista construía um estúdio de gravação. Vítima do excesso de notícias que exploravam a mera reaparição de James, esperou-se uma coisa e o disco era outra. Quando em meados de janeiro deste ano, o artista editou o misterioso Computer Controlled Acoustic Instruments Pt2 EP, a impressão foi inversa: apesar de portar a mesma aparência de rascunho de Syro, CCAI Pt. 2 trouxe à tona nuances pouco conhecidas na enorme paleta de sons de Richard D. James. E isso não é pouca coisa. 

A batida funky, lenta e bem marcada de “Diskhat All Prepared1mixed 13”, dá início ao trabalho. Chama a atenção logo nos primeiros minutos o clima sombrio, contrário à abordagem quase pop de muitas das faixas de Syro. A mestiçagem de sons híbridos, acústicos e eletrônicos, se deve à presença de equipamentos MIDI e dispositivos como Disklavier, piano controlado por computador, além de outros dispositivos que acabaram por batizar o álbum (“computer-controlled percussion”). E de fato, sons de piano e percussões vigorosas atravessam todo o disco, sobretudo em “Disk Prep Calrec2 Barn Dance [Slo]”, a vinheta funk “Diskhat2” e a faixa de encerramento. Das faixas que contam apenas com o piano “sintético”, destaco sobretudo “Diskprept4”, vinheta que remete aos rococó clássicos com os quais se produzem as trilhas frenéticas dos desenhos animados.

Em CCAI Pt. 2, James escancara ainda mais a aparência de rascunho, de processo, de obra aberta em andamento. Além dos títulos, que se mantiveram com a aparência classificatória e impessoal dos rótulos de arquivo digital, vinhetas como “Snar2” (vinte segundos de um rufo de caixa), “Piano Un1 Arpej” (cinquenta segundos de harpejos de piano) ou “0035 1-Audio” (apenas um beat) parecem sugerir uma dupla designação: uma certa ironia alcançada através da redundância, mas também um sample de pesquisa, uma amostragem de timbre, um resultado parcial ao invés de uma “track” consolidada. A ironia também está presente no título do álbum, pois não se sabe por onde anda a "parte 1". Em termos de organização, ocorre algo semelhante: o ambiente não é propriamente o de um “álbum” em sentido clássico, mas o de uma coexistência pacífica entre o jogo da criação e uma espécie de relatório fragmentário contendo resultados parciais, aludindo não à interioridade subjetiva do álbum, mas à exterioridade difusa de um cotidiano movido por pesquisas contínuas.

Parece que no caminho para reinventar-se, James optou por recorrer a uma dissolução ambígua do formato. Em CCAI Pt. 2, as músicas permanecem fixadas no suporte (como era de se esperar), mas a experiência da audição sugere uma abertura à contingência. Com isso, James permitiu que a dinâmica de erro-e-acerto que caracteriza a experiência cotidiana contaminasse toda a estrutura. A exigência industrial de acabamento e consolidação da “faixa” foi substituída por um formato vibrante que inclui outras modalidades de resultado sonoro. Imagino que parte desta empreitada seguirá através do Soundcloud aberto pelo artista no início de fevereiro de 2015, sobre o qual ele descarregou toneladas de materiais antigos, além da previsão de lançamentos futuros ainda este ano.


Bernardo Oliveira