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sexta-feira, 3 de abril de 2015

Yersiniose – 1911 (2015; Seminal Records, Brasil)


























Orientação e localização: uma técnica que se desenvolveu junto com a própria humanidade. Fazer uso de pontos de referência e seguir os astros foi uma forma que o ser humano encontrou para não passar a vida andando em círculos, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ao longo de milhares de anos, as técnicas de orientação tornaram-se mais precisas. Grosso modo, instrumentos como a bússola funcionam de uma forma relativamente simples: um imã e uma agulha que gira sobre uma rosa dos ventos. Ao menos na teoria, não tem como dar errado. 

Construindo uma aventura em RPG: há um evento principal, que é por onde a história segue e eventos paralelos que fazem você imergir naquele universo a partir do enredo principal. Cada escolha está sujeita a uma consequência, seja ela boa ou ruim. A fantasia da especulação é uma das palavras-chave na Gestalt-terapia e uma espécie de contraponto à máxima budica do “você não controla nada”. Saber balancear de forma sadia o desapego e o outro em fantasia é um dos principais desafios do homem moderno.

Mês sem metal: alguns camaradas do Anticvlt aceitaram o desafio de um “mês sem metal”. O nome é autoexplicativo: um mês inteiro sem ouvir metal ou outros estilos com guitarras distorcidas predominantes, como o hardcore/punk. A princípio, parece algo bastante simples – mas só parece. “Rock” nunca foi música ambiente - é algo ligado ao desejo. E todo mundo que gosta sabe como é difícil dizer não à vontade de ouvir um Eyehategod bolado. 

Rock e produção músical: é incrível a capacidade dos produtores de transformar delinquência juvenil em vinheta do Globo Esporte. Do punk ao heavy, tudo pode soar global. Em sua essência, o rock e suas vertentes é um gênero pra ser tocado e ouvido em um volume ALTO, contando com um belo PA ou um bom par de headphones à disposição. Com base nisso, desenvolvo a crítica sobre o 1911 com base em duas escutas distintas: com fones de ouvido (rock) e sem fones de ouvido (“o outro”).

Que a aventura comece: se você é metaleiro, pule dois parágrafos. Nossa jornada começa em 2005, mas poderia começar muito antes disso. Nessa época, eu trabalhava em uma biblioteca. Toda vez que eu precisava fazer algum serviço externo (retirar pedidos, restaurações, entre outras atribuições) pegava carona com o motorista da empresa, um cara de meia-idade fã de heavy metal tradicional nacional. A bordo de uma Kombi e ao som de Harpia, provavelmente formávamos a dupla mais ridícula do sempre insano trânsito da zona oeste de São Paulo. A pauta normalmente girava em torno das histórias do Rainbow bar (tradicional reduto de rock e heavy dos anos 80). Alguns ocasionais “você ainda estava no saco do seu pai...” marcavam o compasso. Se meu pai perdesse um espermatozoide cada vez que eu ouvi essa frase, provavelmente eu nem teria nascido. 

Como punk ou metaleiro, sempre fui uma decepção - “Constrangido e constrangedor”, nas palavras de uma amiga. Minha jaqueta de couro não tem cheiro briga de bar e eu nunca deixei o cabelo crescer de forma digna. Posso dizer que desenvolvi uma identidade quando eu abdiquei de ter uma. Eu explico, foi mais ou menos em 2005, quando me envolvi de fato com o noise e o industrial. “Industrialista” e “Noiseiro” são nomenclaturas comuns, mas que nunca saíram da esfera do pejorativo. E foi nesse contexto de desconstrução/reconstrução que eu conheci Lucas Pires, Cadu Tenório e Mario Brandalise, que já trabalhava com noise e industrial em alguns projetos embrionários, preparando o terreno para o que seria o Yersiniose.

1911 (sem fone): os loops de pouca variação possuem uma carga de tensão típica do power electronics europeu. Deixando de lado as referências sonoras e focando na tensão propriamente dita, me lembra um pouco o trabalho do VICTIM! (em especial o “Lacuna”) e algumas coisas que tiveram o dedo do Mikko Aspa (Nicole 12 “Black Line” e o seu recente trabalho de produção em “Decrepit”, último cassette do Mania). Você já adentrou uma casa abandonada? Consegue se lembrar de como as coisas soavam dentro dela? Não é difícil sentir medo do som de seus próprios passos. Há uma aura de trauma muito forte ao longo das quatro faixas. Associo a tensão aos espaços preenchidos pelo silêncio e a carga dramática que ele constrói. Todavia, 1911 não é NADA silencioso – é uma ode ao abandono, tudo soa triste nesse álbum.

1911 (com fone [parágrafo metal]): Tive a oportunidade de dividir o palco com Mario Brandalise em uma das noites do ENCUN (Encontro Nacional de Compositores) e não pude deixar de me surpreender com a potência e o desempenho do Yersiniose ao vivo. Tudo (especialmente os graves) estava MUITO alto. Sabe aquele papo de metaleiro que assistiu o Venom + Exciter em 1986 e se gaba de ter visto o show mais alto de todos os tempos? É bem por aí.  Para os parâmetros do Ibrasotope, foi. Cada estrutura e cada espaço de performance abriga o Venom + Exciter que condiz com a sua própria realidade. Industrialistas poderiam associar facilmente o 1911 à nata da Tesco Organisation, mas não é um trabalho restrito a um determinado segmento, agradando àqueles que se interessam por música alta e grave chavoso.

Armadilha: o conceito de “música alta” na contemporaneidade pode se relacionar diretamente à problemática no processo de pós-produção dentro do universo da música pop. Se essa foi a sua primeira associação, volte ao primeiro parágrafo.

Thiago Miazzo



terça-feira, 30 de setembro de 2014

DEDO – 2x c32 (DEDO, 2014, Brasil)



Em minha recente passagem pelo Rio de Janeiro, tive o privilégio de dividir o palco duas vezes com o DEDO. Mais tarde, Lucas Pires me contou que eu fui um dos poucos que assistiu a apresentação que ficou conhecida como “performance dos espelhos” em seu formato completo, tocada primeiro em sua forma real e a seguir em uma versão  espelhada.  Em suma, cada performance do DEDO é única - raramente os integrantes a reproduzem uma segunda vez. Mais do que o fruto de três mentes compulsivas e muita dedicação, um presente ao público, que faz parte daquele momento junto ao trio. Mesmo com a distancia de uma ponte aérea, acompanhei com interesse ao amadurecimento do trio, com toda a proximidade que o pós-internet permite.

“DEDOS são membros que nascem na palma da mão ou do pé. São divididos entre si e tem unhas.”. De fato, os dedos são divididos quando analisamos um por um, individualmente. Porém, ao olharmos para a mão (ou um pé), o que vemos é uma unidade.  Trata-se de um conceito minuciosamente pensado pelo trio, que reflete diretamente no aspecto sonoro e visual.  Majoritariamente, bandas e projetos são formados por artistas com visões diferentes, mas complementares. Não foram poucas as vezes em que chorei de ódio durante um ensaio ou que bati o telefone na cara de um colega de banda. Tenho histórias pavorosas, que falam muito mais de mim mesmo do que eu gostaria. E do equilíbrio entre as diferenças nasceram muitos dos trabalhos que produzi em grupo até então. Falo tudo isso porque uma das coisas que mais me chama a atenção no DEDO é a preocupação com a unidade, algo que vai muito além das roupas pretas que o trio invariavelmente usa. Gosto do modus operandi mecânico e minucioso, da preocupação técnica em poder reproduzir uma mesma peça de trás para frente, da maneira mais fiel possível.  Esse tipo de afinidade não vem do nada, e não me surpreendeu  saber que os três conduzem suas atividades extramusicais  em um mesmo ambiente, sentados em uma mesma mesa. Mesmo com o convívio constante, arrisco dizer que esse senso de unidade relaciona-se mais a uma preocupação conceitual - que orienta em definitivo o direcionamento do grupo -  do que qualquer outro campo de relação puramente humana.

Divido a relação entre música e sensibilidade em duas categorias: as músicas que me fazem sentir vivo e as músicas que parecem criar vida própria. Lembro de ouvir a “Pow R Toc H’ aos 19 anos e ficar obcecado pelo Piper at the Gates of Dawn, reproduzindo o álbum exaustivamente em diferentes caixas e aparelhos de som. Foi um pavor gostoso sentir que “havia algo ali”. De lá pra cá, tornei a experimentar essa sensação em alguns discos que trouxeram a tona essa mesma mistura entre satisfação e medo irracional. Não há variação de intensidade, trata-se de um estado pleno, que não dá qualquer indício de que está por vir. Gosto da sensação de desligar um disco por estar “passando mal”, trata-se de uma fraqueza ou vulnerabilidade que eu me dou ao direito de ter. E foi com muita felicidade que revivi essa sensação na última performance do trio que eu tive a oportunidade de assistir (Ao vivo no CCSP). Gosto da maneira como a “música de contato” do DEDO se assemelha a um organismo vivo, que parece sentir fome e se alimentar. É algo grande, que se permite sentir, mas que não se deixa ver. Cada clique ou estalo que emana do PA tem uma forte carga de movimento. Não sei ao certo do que estamos falando, tudo o que eu sei é que é grande, tem vértebras e ESTÁ VIVO.

Esse sopro de vida, tão presente nas performances ao vivo, se faz presente no improviso livre de 2x c32, mesmo que de forma mais contida. Em tempo, trata-se de uma sessão gravada na Comuna , para a gravação de um piloto para a TV idealizado por Paula Galtan. Um registro importante para a carreira dos DEDOS, mas que não substitui de forma alguma a apresentação ao vivo,  sendo uma puramente complementar a outra. Como eu disse anteriormente, nenhum trabalho ou apresentação do DEDO é descartável, da mesma forma que nenhum trabalho ou apresentação  parece ter qualquer ambição de superar a que antecede. Unidade é a palavra de ordem. A obra já nasce pronta, e todo live morre ali. A gravação, masterização e mixagem ficaram a carga do amigo Sávio de Queiroz, junto a Alexandre Goulart.


Diferentes possibilidades:  quem adquiriu o cassette duplo 2x c32 se deu conta de que os artistas não confinaram o álbum a uma ordem pré-estabelecida,  permitindo ao ouvinte experimentar uma série de combinações.  O conteúdo de cada um dos quatro lados é bem uniforme, eu mesmo experimentei umas três combinações diferentes, todas com resultados bem satisfatórios.

Thiago Miazzo

quinta-feira, 7 de março de 2013

(mixtape) Cadeirinha






Título: Cadeirinha Mixtape
Duração: 26:31
Gênero: blogstep, crackwave, cut-up/dj, pure terror

01. Elma - A Parte Elétrica
02. Macintosh Plus - ブート
03. Inflatable Mattress - Double Dutch
04. Blank and Kytt - Same Old
05. Children Hospital - Roots
06. Sobre a Máquina - Língua Negra
07. Avey Tare & Panda Bear - Spirits they've Gone, Spirits they've Vanished
08. The Bug - Catch a Fire
09. Monopoly Child Star Searchers - Make Mine, Macaw 01
10. Dean Blunt & Inga Copeland - _the sniper
11. Chinese Cookie Poets - Viva la Raza! (video)
12. Prurient - Maji
13. Dedo - Sem Título
14. Blind Lemon Jefferson - Electric Chair Blues
Tracklist/edição: Thiago Miazzo
Arte: Lucas Pires
http://snd.sc/ZiFgA1




sexta-feira, 23 de março de 2012

Minicrônicas Discográficas #15






















Negro Leo – The Newspeak (2012; s/g, Brasil)
Na primeira ocorrência no Matéria do nome de Leonardo Campelo, mais conhecido como Negro Leo, recorri a exemplos de performers espasmódicos, agitados: James Brown, Iggy Pop, Fela Kuti foram os nomes que me ocorreram, não propriamente pela música, mas, sobretudo, pelo grito estilizado e a performance enérgica. Isso foi no ano passado, mais precisamente no mês de outubro e Léo se apresentava ao lado do Chinese Cookie Poets. Recentemente tomei conhecimento do seu primeiro trabalho solo, um EP com seis músicas batizado como The Newspeak. A conjunção dos fatores me levou a crer que poderia se tratar de um disco de spoken word, aditivado com o mesmo vigor daquele outubro distante… Lêdo engano! Ao invés de suingue e energia, Negro Léo apostou num caminho menos óbvio. Suas referências não se constituem a partir do legado “funk brother soul”, nem do samba, mas da perspectiva de canções, cujo caráter mais evidente é a conjunção de sofisticação harmônica e letras simultanemente naïves e perturbadoras. A banda, formada por Pedro Dantas (baixo), Daniel Fernandes (bateria) e Vitor Barros (guitarra), lembrando o trio Lanny Gordin, Moacir Albuquerque e Tutti Moreno, entra na onda com instrumentações soltas, como se pode observar na beleza bruta de “A Moda e Novo Homem” e “Patrya”. Com seu canto meio bossanovista, meio irônico, ressalta o nonsense romântico na intimista “Autoestudo 2” (“Saímos ela, eu e Satanás / Pacifistas/ Para orgulho do Deus do Big Bang/Lindos, usamos mais drogas que soldados no front…”) e a conjunção aleatória da letra e da melodia de “Cry Us River” (“E curto a pedra lascada/Vou ficar por aqui e rezar por você/Porque não haverá salvação/Para as almas refugiadas em astronaves/nem presente algum no Olorum”). Solapando a base harmônica de suas canções e alvejando-a com acordes dissonantes, improvisos e escalas pouco ortodoxas, Leo evoca o jazz dos anos 50 (em “Jovem-Tirano-Príncipe-Besta” e “The Newspeak”), a espontaneidade da instrumentação tropicalista pós-70 e o blues truncado e expressivo de Captain Beefheart. Mas aponta, antes de mais nada, para a possibilidade promissora de firmar-se como um “cantautor” singular, na linhagem de Itamar Assumpção e Jards Macalé, descartando os ecletismos vazios de uma "emepebê” moribunda e engrossando os argumentos contrários a um suposto “fim da canção”. Em suma: não é música para boi dormir.


Keiji Haino, Jim O'Rourke, Oren Ambarchi – いみくずし Imikuzushi (Black Truffle/Medama Records, Austrália [EUA/Japão])
O trio em questão chega a seu terceiro álbum, após duas incursões ao universo da “improvisação com acabamento sonoro”, Tima Formosa e In a Flash Everything Comes Together As One There is No Need For a Subject, respectivamente de 2010 e 2011. Nestes casos, ainda que conte com os habituais títulos enormes, as faixas se iniciam com volumes mais baixos e desembocam em longas sessões de depredação sonora. Mesmo nos momentos carregados pelo timbre feminino de Haino, o clima é de tensão durante todo o tempo, seja porque a barulheira está para começar, seja porque os trechos climáticos excedam a mera introdução e funcionem como uma espécie de prenúncio do caos. Dos três álbuns, ainda prefiro a variedade e a delicadeza de Tima Formosa, até porque, do ponto de vista formal, In a Flash… e Imikuzushi são bastante parecidos. Mas não há como negar o prazer de escutar o que três músicos do calibre de Haino, Ambarchi e O’Rourke ainda podem fazer com nossos ouvidos.


Bellows – Reelin' (2012; Entr'acte, Reino Unido [Itália])
Apesar da obra aqui em casa, pude escutar com muito prazer esta bela parceria entre os italianos Nicola Ratti e Giuseppe Ielasi. O duo Bellows opera com ênfase sobre o campo de interesses de Ratti, mas por redução de elementos e a partir de um trabalho admirável com volumes. Trata-se de um trabalho lento, silencioso, mas animado por uma série de detalhes. Não que Ielasi também não seja dado às abstrações quase visuais de Reelin’, mas em seus álbuns podemos adquirir um referencial mais consistente para entender as tramas particulares tecidas por uma combinação esdrúxula de field recordings, sintetizdores e instrumentos "mascarados" – isto é, que parecem, por exemplo, uma percussão, mas pode perfeitamente ser um som sintetizado. Disco repleto de minúcias, recomendado para quem gosta de ouvir música nos fones. 

Ouça "05".

Bernardo Oliveira


Moskra – Moskra EP  (2012; IDM Netlabel, EUA)
O autointitulado primeiro EP do artista Moskra traz doses maciças de peso e escuridão para a IDM Netlabel. Trata-se de um álbum bem mais soturno do que os demais artistas do catálogo da IDM, portanto, esteja preparado para o uso intenso de sub graves e batidas que privilegiam o kick com uma forte inspiração no 2step. Apesar do jeitão truculento e da cara de poucos amigos, trata-se de um disco cheio de ritmo e altamente dançante, que pode agradar aos fãs do selo Hyperdub e post-dubstep em geral.

Baixe o EP em formato MP3 ou FLAC, direto da página da IDM Netlabel.


Total Abuse – Prison Sweat  (2012 [2011]; Calico Grounds, EUA)
O Total Abuse é uma das bandas responsáveis por trazer de volta à tona a influência da velha escola do hardcore oitentista, acompanhado por uma muralha de feedback e intensas (e raras) performances ao vivo. Prison Sweat é o terceiro álbum da banda, alternando entre curtas faixas punks e faixas que beiram o experimentalismo sludge, bebendo da fonte do Black Flag da fase "My War", do scum punk proposto por GG Allin e do cenário noise estadunidense. Versão em formato cassette para o LP lançado originalmente em 2011 e atualmente fora de catálogo, foi relançado pelo selo Calico Grounds em formato cassette, limitado a 500 cópias. 





Dylan Ettinger - Lifetime of Romance (2012; Not Not Fun, EUA)
O novo disco de Dylan Ettinger, Lifetime of Romance, já se encontra disponível para compra no site do selo Not Not Fun (http://notnotfun.com/now.html). O artista já havia disponibilizado o single "Wintermute", faixa que flerta com o synth-pop e a minimal wave, influências adaptadas ao estilo próprio desenvolvido por Dylan ao longo de sua carreira. Compre o cd e, enquanto ele não chega, ouça "Wintermute" na página da FACT Magazine.




Thiago Miazzo