No último dia 06, o Mali foi palco de um golpe militar, poucos dias antes do lançamento de Koïma. Consta que um motim no quartel central do país, depôs o presidente Amadou Toumani Touré, enquanto o movimento separatista tuaregue MNLA tomava parte de Gao com ajuda de islamistas radicais, reivindicando seu estado independente, chamado “Azawad”. Temo não possuir estofo suficiente para discorrer com precisão sobre o tema, de modo que, para evitar equívocos, cito o historiador Gregory Mann, especializado em história da África francófona.
“Seria difícil exagerar a bagunça que foi feita do Mali na última quinzena. Um golpe de surpresa, uma rebelião acelerada que dividiu o país em dois, e um embargo econômico perpetrado por vizinhos do país sem litoral, têm castigado o que teria sido, até recentemente, uma história de sucesso no Oeste Africano. Acrescente-se a isso uma crise alimentar iminente na região nordeste, e temos uma bela bagunça! Mas o mundo não pode voltar atrás: o Mali é muito importante para amortizar os 20 anos de democracia no país como uma experiência fracassada.”
Os tuaregues, os mesmos que foram massacrados por forças militares francesas em meados da década de 40, reivindicam seu estado independente, dividindo o país, multiplicando conflitos, fragmentando histórias… Características comuns a estados unificados à forceps pela violência colonialista e federalista. Talvez por isso, e não pelo golpe de estado, que o lançamento de Koïma adquire um significado especial. Sua música testemunha que há nesta “bagunça”, localizada em um pedaço de terra ficticiamente delimitado, uma cultura viva e intercambiante,apesar das intempéries históricas. Esta cultura se exprime de forma brilhante nas canções, arranjos e sonoridades de Koïma.
A beleza do trabalho se deve à contribuição direta da cultura songhäi e da habilidade específica de Touré de conduzir seu ensemble e as canções. Acompanhado por um quarteto formado por violão, calabash, soukou (o violino malinês) e uma cantora, Touré apresenta uma outra faceta de sua música. Koïma difere bastante da beleza intimista e espontânea de Sahel Folk, lançado ano passado, soando como um passeio pelas ruas de Gao, através do entrelaçamento de arabescos do soukou e do violão e da percussão extremamente bem marcada. Pode ser encarado também como um songbook, uma seleção de canções arranjadas com sobriedade, sem prejuízo para a beleza idiossincrática de cada composição. Destaco “Ni see ay ga done”, “Woy tiladio” (em 3/4) e “Chacun Sa Chance” e “Tondi Karaa” como as que melhor representam a contribuição de Touré à apresentação e desenvolvimento da tradição songhäi.
Sidi Touré - Ni See Ay Ga Done from Thrill Jockey Records on Vimeo.
Sidi Touré e sua música nada podem contra a “bagunça” em seu país, assim como Fela Kuti não pôde sustentar sua luta contra a ditadura nigeriana, nem Bob Marley converter sua música “revolucionária” (com aspas, por favor) em melhorias efetivas para os jamaicanos. Mas, ao mesmo tempo, somente através da arte e dos artistas, tomados como grandes tipos culturais, se pode consolidar exemplos de que a dinâmica da concórdia e da criação podem servir de exemplo para todo um povo.
Bernardo Oliveira
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