segunda-feira, 18 de junho de 2012

(artigo) O mal-estar na Abundância
















Recentemente, em uma de suas colunas na Pitchfork, Mark Richardson comentava, usando como tema o Music from Saharan Cellphones Vol 1, o papel relativo de escassez e abundância em nossa maneira de fruir música hoje. Mesmo com o boicote de SOPA/ PIPA/ ACTA etc, é muito mais fácil ter acesso: é farta a oferta do próprio material musical, e é farta também a oferta de informação sobre música. Esse nosso site aqui é um dentre zilhões de exemplos: um coletivo de entusiastas se reúne para escrever sobre música e divulgar isso. 

Tenho quarenta anos, e consigo lembrar fácil de ter experimentado a escassez das duas coisas. Li na Bizz sobre o In the court of the Crimson King e se passaram anos até que eu conseguisse que alguém me gravasse uma fita – anos até que eu visse o disco. Vejam que não se tratava de algo particularmente obscuro – era King Crimson, um dinossauro progressivo e, ainda assim, nos anos 80, não estava aí nas quebradas não. Não faz muito tempo, era difícil ter acesso a todos os discos que se queria ouvir.

E pela mesmo via a coisa ocorria com a informação sobre música. Lembro de querer saber mais sobre La Monte Young – coisas simples, do tipo Quem é mesmo esse cara? O que esse cara tem a ver com o Sonic Youth? É boa a música dele? Melhor que a do Sonic Youth? Mas, claro, não encontrava nada – pois, por incrível que pareça para você que tem vinte anos hoje, já existiu um mundo sem internet. A fonte possível de alguma informação eram as revistas de música – coisas como a Bizz – e fanzines maluquete que a gente assinava, e recebia pelo correio. Eventualmente, um amigo mais endinheirado (eu tinha um amigo assim) comprava o New Musical Express, ou o Melody Maker, e isso era lido até gastar.  

Agora que tudo isso não é mais problema, pois contamos tanto com muita disponibilidade de música e de informação sobre música, é claro que os problemas aparecem em outro lugar. Um, fundamental pra mim, é a organização: é saber o que está aonde. Não me adianta ter um HD externo de 3T lotado de mp3 e não saber encontrar as coisas que quero ouvir. Preciso de organização. Por isso, passei os ultimos tres anos organizando cuidadosamente meu iPod. Capas, creditos corretos, playlists: um primor, quase 160G, muita música. O investimento de tempo foi grande, mas tem valor: eu uso muito esse aparelho, muito mesmo – é muito util pra mim. E, agora, tudo se foi, toda essa organização, todo esse investimento: tudo evaporou, pois o iPod morreu.

Meu mundo caiu. E, claro, sei que não é irremediável. Mas também não sei qual a lição que tinha de aprender com o incidente, embora ache que tinha de aprender alguma coisa.

Antonio Marcos Pereira

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