(sobre o show de Glenn Branca Ensemble no SESC Belenzinho, 25/07/2012)
A julgar pelo modo nada carinhoso com o qual o lendário Glenn Branca se dirige a seus músicos, tal como se comprovou durante a apresentação de ontem, seu concerto conta não com um ensemble, mas com algo próximo de uma "grande família (no pior sentido do termo). "Parente é serpente", diz o ditado. Suado, barba por fazer, metido num terno amarrotado, Branca entra no palco resmungando, entre partituras, garrafas d'água e refrigerantes. O semblante dos músicos não é dos melhores, mas aquilo que parecia concentração se transforma em constrangimento. Branca bate boca com um dos guitarristas, o clima fica tenso ("what do you think I'm talkin' about, my dick!", entredentes). Mexe nas partituras, os músicos se ajeitam e, quando menos se espera, silêncio. Silêncio, olhares atentos e mais silêncio… Então, uma maçaroca sonora toma conta do teatro do Sesc Belenzinho, fazendo com que a plateia, que até então apenas assistia perplexa as movimentações no palco, seja tomada por um sentimento de apreensão. Os aplausos são relativamente tímidos, ainda contaminados pelos acontecimentos curiosos que marcaram o início da apresentação. Mas a sequência já revela a outra faceta do trato familiar: Branca ensaia com o baterista algo como uma brincadeira ("it's ok, it's ok…), o guitarrista, alvo dos esporros, ajeita o boné e esboça um sorriso. E então, se inicia a segunda peça da noite, "The Tone Row That Ruled The World" (do disco de 2010, The Ascension: The Sequel), que já obtém uma resposta efusiva da plateia. A partir daí, Branca se solta, bem como seus músicos e a plateia. "Lesson N. 03 (Tribute to Steve Reich)", do mesmo álbum, marca esse ponto de virada, com suas reviravoltas rítmicas e harmonias dissonantes. De costas para a plateia, Branca rege sua orquestra ora agarrado à banqueta de partituras, agitando-a de forma insensata, ora contorcendo as pernas e fazendo gestos histriônicos com as mãos. Parece uma mistura de Pierre Boulez com Elvis Presley. "Lost Chords" encerra o concerto e, em um dado momento, Branca vai para o canto do palco e libera os músicos para o improviso. Ele se joga contra a parede e fica lá, de costas, como que delirando com a zoeira produzida por sua "família". E então o concerto acaba. Mas assim que o teatro se esvazia, e restam apenas alguns fãs, ele reaparece, virulento, pedindo "sem fanatismo, por favor!" Neste momento, eu estava do seu lado, ri e perguntei se ele se importava de bater uma foto. Ele disse: "bate logo, ora!" Não bati, mas resolvi encarar a fera. Pensei, "mas esse é o Glenn Branca, o nó cego do No wave, a força cerebral do pós-minimalismo, a referência máxima quando se trata de abordar as influências de bandas como Sonic Youth e The Ex." Comprei um CD e pedi para que ele assinasse. Sorrindo, Branca me pergunta se eu tinha apreciado o show, no que respondi "CLARO, foi incrível!" De repente, aquele monstro tinha se tornado dócil e inseguro, seus gestos se acalmaram, ele baixa a cabeça e assina com a mão trêmula: "Para Bernar...". Subitamente sua mão pára no meio da escrita, ele volta seus olhos para mim com certa violência e solta mais uma ofensa adorável: "você já pagou por isso!!!?" "Sure Mr. Branca, sure…"
Bernardo Oliveira
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