quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Black Pus – Pus Mortem (2012; s/g, EUA)


























Nas últimas linhas do pequeno texto que explica a avalanche sonora contida em Pus Mortem, o baterista americano Brian Chippendale adverte para a forma de se escutar o Black Pus: “I played this loud so you should too.” Sim, ouça alto e não espere entender tudo o que se passa, entregue-se à atmosfera apocalíptica, aceite o convite ao transe, mas também à dança — sim, à dança desenfreada, catarse dos movimentos e dos sentidos, o chacoalhar da roda. O texto ainda explica o significado de Black Pus (“estado afetivo de exagerado bem-estar ou euforia”), cita o infame Ren & Stimpy como referência e termina com uma piada: uma citação remete à nota, que por sua vez remete de volta ao texto: “This is the footnote”. O panorama não deixa dúvidas: nonsense, desorientação e euforia norteiam as ideias e a música do Black Pus.

Mas a matéria-prima do Black Pus não se esgota no conceito, muito pelo contrário. Chippendale dispõe de um enorme talento como baterista, apto não só a desenhar ritmos e viradas complexas, mas também explorar nuances de timbre e pequenos detalhes. Conjuga esse talento com um arsenal de apetrechos eletro-eletrônicos, desde microfones até peles de bateria trigadas com uma profusão de efeitos. Recobrindo a excelência da execução instrumental, uma resolução esteticamente situada na definição “no-fi”, difícil de acompanhar para os ouvidos mais sensíveis. Completando o esquema, Chippendale aciona sons pré-gravados com as baquetas, senta e levanta freneticamente da bateria e se veste com uma miscelânea multicolorida de penduricalhos, que configuram um dos atrativos de suas apresentações caóticas.

O ritmo marcado traz alguma referência mais consistente, enquanto, escondido sob a máscara, o microfone converte os gritos e solfejos do artista em um leque sonoro que varia do grito gutural à linhas de baixo. One-man band, Chippendale mantém alto o nível de articulação instrumental e conceitual, como percebe-se nas convenções e melodias entreouvidas em meio ao caos. O rumor grave e intenso que perpassa as oito composições não prejudica suas respectivas singularidades: o andamento dançante de “Play God”, por exemplo, ressalta o jogo rítmico das sílabas, enquanto o sampler deteriorado de uma gaita de fole azucrina o ambiente. Faixas como “Why Must It End?” e “Heebee Geebees” exibem melodias que rememoram à canção celta, ao passo que a frenética “Neuronic Knife” a voz intervém abruptamente sobre os ataques e viradas da bateria. “Supergenius” não surpreende somente pelo contraste, afinal trata-se de uma bela canção, mas porque aponta para outras direções compatíveis com a sonoridade extrema do Black Pus. O álbum se encerra com “Off With His Head” e “Meet Me In That Other Place”, duas composições que concentram o que o trabalho possui de mais autêntico: o programado e o espontâneo se chocam em conflito, mas também, paradoxalmente, são domesticados pela mão firme de Chippendale, o que confere unidade ao trabalho.

Tantos adjetivos tenebrosos podem afastar o ouvinte acostumado a frequências mais amistosas. Contudo, vale notar que não estamos diante de uma sonoridade essencialmente “barulhenta”, a exemplo do que se costuma chamar por noise. Pois arrisco-me a afirmar que trata-se em Pus Mortem de uma força quase contrária à irracionalidade do noise. E, por favor, não entendam aqui “irracionalidade” como incapacidade de engenho, mas como uma prática que investiga as fronteiras daquilo que possibilita o “engenho”, as condições de uma hermenêutica da própria matéria sonora. Esta é a profissão de fé do noise. Já o Black Pus produz basicamente o oposto deste vandalismo programado dos artistas ligados a este outro aspecto do som extremo. Sua questão, o seu “conceito”, diz respeito ao tal “estado afetivo de exagerado bem-estar ou euforia” que se define em seu próprio nome: o barulho, mas também o ritmo, a festa, a euforia… Ainda assim, após escutar o disco (disponível abaixo), o ouvinte provavelmente se perguntará: se isso não é o mais escancarado “barulho”, então o que há de ser então? Missão cumprida, Mr. Chippendale…

Bernardo Oliveira


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