Conhecido pelas instalações e intervenções que desenvolve no território da sound art, o Chelpa Ferro chega ao terceiro disco invertendo uma das premissas centrais de seu trabalho. Até então os limites do som e dos materiais empregados foram tematizados através de instalações, performances e demais circuitos intersemióticos — como “Autobang” (2002), no qual o trio destruía "percussivamente" um Maverick 74', com o auxílio de Laufer, Dado Villa-Lobos, Domenico, Bacalhau e Leo Monteiro. Desta vez, estes mesmos circuitos fornecem subsídios para que o som ocupe um espaço central. Chelpa Ferro 3 privilegia a construção de um discurso elaborado a partir do aspecto sonoro das obras, valendo-se de sua interação com o improviso de instrumentistas afinados com a proposta do coletivo.
Por exemplo, na primeira faixa, “Mesa de samba” (2009), o som é gerado por um aparelho montado com máquina de costura, arame, molinete de pesca, mesa de madeira, caixa de bateria e dímer. Quando o circuito é acionado, agita o fio de arame de forma a percutir sobre a caixa, gerando um batuque aleatório, realçado pelo zumbido da máquina. Por cerca de doze minutos, as guitarras de Arto Lindsay e Pedro Sá redobram a irregularidade das configurações rítmicas, conduzindo a tensão do improviso através da utilização de microfonias, acordes soltos e ruídos.
As faixas seguintes seguem a mesma construção conceitual, explorando a interação entre o aspecto sonoro das instalações e o improviso dos músicos. Em “Microfônico” (2009), com a participação do violoncelista Jaques Morelembaum, a máquina é composta por motor, trilho, microfone, amplificadores e vasos; à medida que os microfones pairam sobre a boca dos vasos, captam as reverberações internas e geram microfonias. Percebe-se que a estratégia de improvisação do instrumentista responde às microfonias e reverberações provenientes da instalação, gerando justaposições harmônicas e frequências incomuns.
As faixas seguintes seguem a mesma construção conceitual, explorando a interação entre o aspecto sonoro das instalações e o improviso dos músicos. Em “Microfônico” (2009), com a participação do violoncelista Jaques Morelembaum, a máquina é composta por motor, trilho, microfone, amplificadores e vasos; à medida que os microfones pairam sobre a boca dos vasos, captam as reverberações internas e geram microfonias. Percebe-se que a estratégia de improvisação do instrumentista responde às microfonias e reverberações provenientes da instalação, gerando justaposições harmônicas e frequências incomuns.
Percutindo trinta sacolas plásticas contra a parede, comandadas por motores, cabos e um circuito eletrônico apelidado como “cabeção”, “Jungle Jam” (2008) é dos momentos mais instigantes dos cinquenta e um minutos do trabalho. E isso graças não só à sonoridade gerada pelo engenho conceitual da máquina, mas ao diálogo entre Kassin e Berna Ceppas. Munido por seu contrabaixo, Kassin imprime uma dinâmica marcial sobre à percussão frenética das sacolas plásticas, ao passo que Ceppas recorre aos sintetizadores e à lap steel guitar para explorar as mudanças de clima no transcorrer do improviso. Em relação às cinco faixas do álbum, esta é a que equilibra de forma mais perceptível e eficiente o conteúdo sonoro da instalação e a intervenção do improviso.
Por seu turno, “On – Off Poltergeist” (2008), com a participação de Chico Neves, se inscreve de forma contundente no aparente revigoramento das experiências sonoras limítrofes que marcam a música hoje — por exemplo, através da reabilitação do interesse pela otoacústica, a espacialização do som e de nomes como Maryanne Amacher e Eliane Radigue. A instalação consiste em sete auto-falantes extraídos de sete aparelhos de televisão, separados e dispostos em cada um dos extremos de uma sala, com a intenção de desvincular som e imagem. Neves manipula um Simmons SDS-V, recortando padrões rítmicos a partir dos sons emitidos pelos aparelhos. A aparência espectral — ou fantasmagórica, como indica o título — não compromete a preponderância do ritmo sobre os outros elementos. Dupla tendência reafirmada na última faixa, “Acusma” (2008), que conta com o baterista Stephane San Juan interagindo com trinta vasos de cerâmica em treze formatos e tamanhos diferentes, cada um contendo um auto-falante que reproduzem o solfejo editado e processado de cinco cantores. Os cantores entoam números ao invés de notas, com a intenção de estimular no ouvinte uma sensação “acusmática” — termo explicado no encarte, que designa uma “alucinação auditiva pela qual se julga ouvir vozes humanas ou instrumentos musicais”.
Não parece despropositada, ou mesmo casual, a referência à fantasmagoria inerente ao trabalho do Chelpa Ferro. E isto na medida em que ela remete tanto à efetividade material quanto à presença espectral da obra. Basta observar que entre a experiência de se presenciar as instalações, com todo o aparato audiovisual e sinestésico, e de escutá-las como um instrumento entre outros, é possível detectar diferenças relevantes. Esta característica indica que a instabilidade nas peças elaboradas pelo Chelpa Ferro não é meramente estilística, mas constitutiva e essencialmente criativa. Atribuindo o mesmo nome das obras às sessões de improviso, o grupo converte todo o seu trabalho em jogo aberto, sujeito a mudança de regras e mutações imprevistas. Além de uma audição fascinante pela riqueza de procedimentos e ideias, Chelpa Ferro 3 abriga uma perspectiva entrópica segundo a qual tudo opera por deslocamento e descontrole. Constitui-se, assim, não no isolamento ou reaproveitamento de aspectos das instalações, mas na desintegração da própria obra, sua fragmentação necessária e regeneração particular.
Bernardo Oliveira
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