Orientação e localização: uma técnica que se desenvolveu junto com a própria humanidade. Fazer uso de pontos de referência e seguir os astros foi uma forma que o ser humano encontrou para não passar a vida andando em círculos, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ao longo de milhares de anos, as técnicas de orientação tornaram-se mais precisas. Grosso modo, instrumentos como a bússola funcionam de uma forma relativamente simples: um imã e uma agulha que gira sobre uma rosa dos ventos. Ao menos na teoria, não tem como dar errado.
Construindo uma aventura em RPG: há um evento principal, que é por onde a história segue e eventos paralelos que fazem você imergir naquele universo a partir do enredo principal. Cada escolha está sujeita a uma consequência, seja ela boa ou ruim. A fantasia da especulação é uma das palavras-chave na Gestalt-terapia e uma espécie de contraponto à máxima budica do “você não controla nada”. Saber balancear de forma sadia o desapego e o outro em fantasia é um dos principais desafios do homem moderno.
Mês sem metal: alguns camaradas do Anticvlt aceitaram o desafio de um “mês sem metal”. O nome é autoexplicativo: um mês inteiro sem ouvir metal ou outros estilos com guitarras distorcidas predominantes, como o hardcore/punk. A princípio, parece algo bastante simples – mas só parece. “Rock” nunca foi música ambiente - é algo ligado ao desejo. E todo mundo que gosta sabe como é difícil dizer não à vontade de ouvir um Eyehategod bolado.
Rock e produção músical: é incrível a capacidade dos produtores de transformar delinquência juvenil em vinheta do Globo Esporte. Do punk ao heavy, tudo pode soar global. Em sua essência, o rock e suas vertentes é um gênero pra ser tocado e ouvido em um volume ALTO, contando com um belo PA ou um bom par de headphones à disposição. Com base nisso, desenvolvo a crítica sobre o 1911 com base em duas escutas distintas: com fones de ouvido (rock) e sem fones de ouvido (“o outro”).
Que a aventura comece: se você é metaleiro, pule dois parágrafos. Nossa jornada começa em 2005, mas poderia começar muito antes disso. Nessa época, eu trabalhava em uma biblioteca. Toda vez que eu precisava fazer algum serviço externo (retirar pedidos, restaurações, entre outras atribuições) pegava carona com o motorista da empresa, um cara de meia-idade fã de heavy metal tradicional nacional. A bordo de uma Kombi e ao som de Harpia, provavelmente formávamos a dupla mais ridícula do sempre insano trânsito da zona oeste de São Paulo. A pauta normalmente girava em torno das histórias do Rainbow bar (tradicional reduto de rock e heavy dos anos 80). Alguns ocasionais “você ainda estava no saco do seu pai...” marcavam o compasso. Se meu pai perdesse um espermatozoide cada vez que eu ouvi essa frase, provavelmente eu nem teria nascido.
Como punk ou metaleiro, sempre fui uma decepção - “Constrangido e constrangedor”, nas palavras de uma amiga. Minha jaqueta de couro não tem cheiro briga de bar e eu nunca deixei o cabelo crescer de forma digna. Posso dizer que desenvolvi uma identidade quando eu abdiquei de ter uma. Eu explico, foi mais ou menos em 2005, quando me envolvi de fato com o noise e o industrial. “Industrialista” e “Noiseiro” são nomenclaturas comuns, mas que nunca saíram da esfera do pejorativo. E foi nesse contexto de desconstrução/reconstrução que eu conheci Lucas Pires, Cadu Tenório e Mario Brandalise, que já trabalhava com noise e industrial em alguns projetos embrionários, preparando o terreno para o que seria o Yersiniose.
1911 (sem fone): os loops de pouca variação possuem uma carga de tensão típica do power electronics europeu. Deixando de lado as referências sonoras e focando na tensão propriamente dita, me lembra um pouco o trabalho do VICTIM! (em especial o “Lacuna”) e algumas coisas que tiveram o dedo do Mikko Aspa (Nicole 12 “Black Line” e o seu recente trabalho de produção em “Decrepit”, último cassette do Mania). Você já adentrou uma casa abandonada? Consegue se lembrar de como as coisas soavam dentro dela? Não é difícil sentir medo do som de seus próprios passos. Há uma aura de trauma muito forte ao longo das quatro faixas. Associo a tensão aos espaços preenchidos pelo silêncio e a carga dramática que ele constrói. Todavia, 1911 não é NADA silencioso – é uma ode ao abandono, tudo soa triste nesse álbum.
1911 (com fone [parágrafo metal]): Tive a oportunidade de dividir o palco com Mario Brandalise em uma das noites do ENCUN (Encontro Nacional de Compositores) e não pude deixar de me surpreender com a potência e o desempenho do Yersiniose ao vivo. Tudo (especialmente os graves) estava MUITO alto. Sabe aquele papo de metaleiro que assistiu o Venom + Exciter em 1986 e se gaba de ter visto o show mais alto de todos os tempos? É bem por aí. Para os parâmetros do Ibrasotope, foi. Cada estrutura e cada espaço de performance abriga o Venom + Exciter que condiz com a sua própria realidade. Industrialistas poderiam associar facilmente o 1911 à nata da Tesco Organisation, mas não é um trabalho restrito a um determinado segmento, agradando àqueles que se interessam por música alta e grave chavoso.
Armadilha: o conceito de “música alta” na contemporaneidade pode se relacionar diretamente à problemática no processo de pós-produção dentro do universo da música pop. Se essa foi a sua primeira associação, volte ao primeiro parágrafo.
Thiago Miazzo
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