Tornou-se trivial destacar o estado de crise em que as escolas se encontram hoje. O que parece menos claro é estabelecer a ligação entre, por um lado, a influência negativa das indústrias culturais no desejo de aprender dos nossos estudantes e, por outro lado, a necessidade e urgência de uma reforma completa dos programas e não apenas dos cursos (e estes são essencialmente os cursos que a reforma planejada pelo atual Ministro da Educação quer modificar). Ora, esta ligação pode ser feita hoje, porque temos agora na França duas obras decisivas e totalmente complementares, uma das quais amplia explicitamente a outra em certos aspectos: as obras dos filósofos Gilbert Simondon e Bernard Stiegler.
Como já dissemos em outro lugar, em colaboração com Julien Gautier [1], os méritos do insight fornecido por Stiegler em seu livro Prendre soin. No que diz respeito aos jovens e às gerações [2] em particular, gostaríamos de voltar aqui brevemente às “Reflexões preliminares sobre uma reforma do ensino” [3] propostas por Simondon na década de 1980, a fim de identificar os elementos precursores de uma verdadeira reforma escolar adaptada aos nossos tempos.
O quadro geral destas Reflexões é estabelecido por Simondon nos seguintes termos:
Adaptar um ser a uma sociedade estável é especializá-lo de modo a poder integrá-lo ao nível da estrutura vertical. Adaptar um ser a uma sociedade metaestável significa dar-lhe uma aprendizagem inteligente que lhe permita inventar com o objetivo de resolver os problemas que surgirão em toda a superfície das relações horizontais. O século XIX teve que construir em poucas décadas uma sociedade de especialistas, adaptada à era da termodinâmica, segundo o princípio da rigidez: daí um fortalecimento da estrutura vertical, tornando-se ubíqua e estendendo-se mesmo onde antes existiam estruturas horizontais (por exemplo, na relação entre a cidade e o campo: um cavalheiro do século XVIII, vivendo em suas terras, não era inferior a um rico comerciante da cidade; no século XIX, o banqueiro tornou- se o deus industrial da cidade). Temos agora que fazer em poucos anos uma educação que transforme as sobrevivências das relações verticais em relações horizontais. (“Prolégomènes à une refonte de l'enseignement”)
Simondon não se contenta aqui em antecipar o que tem se caracterizado até aqui como a “democratização da escola”, ele também formula a passagem da “estrutura vertical” para as “relações horizontais”, especificando a mudança na sociedade que esta passagem deve levar em conta, e que precisamente não conseguimos levar em conta na modificação dos programas escolares. Esta mudança na sociedade é marcada pela diferença entre uma “sociedade estável” e uma “sociedade metaestável”. Esta noção de metaestabilidade designa um tipo de equilíbrio dinâmico, contendo potenciais para um futuro, ao contrário do equilíbrio estável onde os potenciais se esgotam. A nossa sociedade é metaestável neste sentido, e a principal razão para isso é a aceleração do progresso nas novas tecnologias, concebidas hoje por Stiegler.
No entanto, Simondon, a partir de 1958, em Sobre o modo de existência dos objetos técnicos [4], mostrou como a tecnologia é, portanto, uma dimensão importante da cultura, chamada mesmo a tornar-se aquilo que molda uma civilização, com todos os riscos que a podem acarretar. Trata-se, portanto, de prevenir — o que as nossas sociedades claramente não conseguiram fazer, desde o momento em que escreveu estas linhas, nem no campo da ecologia, nem naquele que podemos chamar de “ecologia da mente”, que isto é, no domínio da saúde psicológica não só dos trabalhadores, mas também dos cidadãos que se tornaram consumidores instintivos. O mérito de Simondon foi, portanto, associar uma reabilitação da tecnologia a uma reflexão sobre o que chamou de “alienação psicofisiológica” na era das máquinas. Daí a sua insistência na capacidade de invenção, única garantia de um acoplamento homem-máquina que não seja alienante para o homem e que ao mesmo tempo permita à tecnologia aceder à dignidade da realidade cultural.
Apreciaremos, portanto, facilmente o que é decisivo para a escola de hoje, o projeto simondoniano de uma “cultura técnica”. Para entendê-lo, comecemos com esta afirmação de Sobre o modo de existência dos objetos técnicos: “Há cultura mais autêntica no gesto de uma criança que reinventa um dispositivo técnico do que no texto onde Chateaubriand descreve esse “gênio assustador” que foi Blaise Pascal” [5]. Simondon, nesta insistência nas virtudes da aprendizagem teórico-prática da história das invenções técnicas, poderia lançar luz sobre os desejos mais atuais de reforma educacional. Ele sabia, de fato, que nossa era exige uma história de invenções feitas para a curiosidade das crianças, e preparando essas mentes jovens para depois se beneficiarem no ensino fundamental e médio:
— atividade mental bem diferente da atual repetição mecânica das soluções já dadas — aplicada até mesmo ao Bacharelado, a partir de agora, na preocupação com o “sucesso” do maior número de pessoas no exame.
— de uma história das ciências que lhes permita dar sentido às fórmulas científicas que lhes são solicitadas a manipular, sem sequer abri-las a ir além do simples senso comum, do qual, no entanto, procede a sua descoberta — como o famoso “princípio da inércia” da Galileu, que os nossos estudantes conhecem mas do qual não estão preparados para admitir que o seu significado é o da relatividade do movimento como a equivalência do movimento retilíneo uniforme e... do repouso. Sobre a oposição entre razão científica e simples bom senso, leremos naturalmente a obra epistemológica de Gaston Bachelard em geral, e em particular A Formação da Mentalidade Científica, mas também a obra de Françoise Balibar intitulada Galilée, Newton, lida por Einstein [6].
— de um estudo do funcionamento das tecnologias entre as quais os nossos filhos estão a crescer e das quais são, neste momento, apenas utilizadores-consumidores incapazes de explicar o seu funcionamento, nem a fortiori os efeitos sobre a psique — efeitos dos quais, no entanto, numerosos estudos tendem a mostrar que é hora do conhecimento nos proteger, tornando-nos capazes de praticá-los, que não se reduzam ao seu simples uso atual por impulso. Neste ponto, Bernard Stiegler estende hoje Simondon de uma forma que tende precisamente a fazer da saúde psicossocial uma prioridade política — justificada pelo fato de a atenuação instintiva do desejo ser a fonte das piores catástrofes destrutivas.
Podemos, portanto, imaginar que na escola primária uma história sintética das civilizações tomaria como fio condutor ou espinha dorsal esta história das grandes invenções técnicas pelas quais essas civilizações se definiram. O ensino médio deveria ser o único período em que estudamos história analítica, ou seja, com detalhe econômico e político para uma determinada área geográfica num determinado momento. Porque no ensino médio a história sintética da escola primária deverá ser repetida, mas com todo o sentido que o recuo da consciência reflexiva e já formada permite. Quando falamos de ensino fundamental, ensino médio e faculdade, não prejulgamos as idades em que começam e terminam. Aqui, novamente, é bem possível que mudanças sejam necessárias. Simondon, por sua vez, destacou em qualquer caso que aos dezoito anos é necessário ter uma parte prática e profissional dos estudos e, inversamente, uma vez concluídos os estudos, o trabalho deve conter uma parte de formação teórica continuada.
Quanto à filosofia, “não deve ser concebida como o coroamento dos estudos literários. Deve ser repartido pelos quatro anos que vão dos catorze aos dezoito anos. Não é de ordem literária, assim como não é de ordem científica. As ciências humanas devem ser ensinadas a partir dos quatorze anos” [7].
*Jean-Hugues Barthélémy, Professor de Filosofia em Brest, Doutor em Epistemologia e História da Ciência e Tecnologia pela Universidade de Paris 7-Denis Diderot, autor de Simondon ou do Enciclopédismo Genético (PUF, 2008).
NOTAS
[1] Conferência online “Destruição e formação da atenção — Considerações sobre a crise sistêmica da educação e suas consequências práticas”. https://arsindustrialis.org/destruction-et-formation-de-lattention-consid%C3%A9rations-sur-la-crise-syst%C3%A9mique-de-l%C3%A9ducation-et-ses-1
[2] STIEGLER, Bernard. Prendre Soin. De la jeunessse et des générations. Paris: Flammarion, 2008.
[3] SIMONDON, Gilbert. Prolégomènes à une refonte de l'enseignement. In: Sur la technique (1953-1983). Paris: PUF, 2014. p. 233-253.
[4] SIMONDON, Gilbert. Du mode d'existence des objets techniques. Paris: Aubier, 1989.
[5] SIMONDON, Gilbert. Prolégomènes à une refonte de l'enseignement. In: Sur la technique (1953-1983). Paris: PUF, 2014. p. 233-253.
[6] SIMONDON, Gilbert. Prolégomènes à une refonte de l'enseignement. In: Sur la technique (1953-1983). Paris: PUF, 2014. p. 233-253.
[7] SIMONDON, Gilbert. Prolégomènes à une refonte de l'enseignement. In: Sur la technique (1953-1983). Paris: PUF, 2014. p. 233-253.
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