sexta-feira, 14 de junho de 2013

Ebo Taylor – Appia Kwa Bridge (2012; Strut, Gana/Alemanha)


























Já antes do seu lançamento, em abril de 2012, pela gravadora alemã Strut, Appia Kwa Bridge, do ganês Ebo Taylor, era um dos álbuns mais aguardados por quem tem real interesse pelo universo musical africano. Este trabalho é a prova cabal de que, finalmente, o maior guitarrista em atividade do highlife voltou a ocupar o centro da cena. E, mesmo sem exatamente surpreender quem o conhecia, ainda demonstra o quão é capaz de se superar.

Ebo talvez tenha surpreendido mesmo em 2010, com o seu Love And Death (também pela Strut), por ter atravessado um período de quase 30 anos afastado dos estúdios e, mesmo assim, gravar uma obra de rara qualidade para quem parecia ter abandonado definitivamente o ofício da composição. Um ano após, o mesmo selo lançaria a coletânea Life Stories (1973-1980), um belíssimo apanhado da sua carreira que pavimentaria o caminho para o passo seguinte.



Aproveitando fôlego, esse legítimo representante da etnia fanti que atualmente conta 77 anos, parece mais longe que nunca de perder a condição de sumo sacerdote do gênero que foi criado no seu país e, posteriormente, reelaborado dentro dele próprio e da Nigéria – os Oriental Brothers Internationals, de Lagos, por exemplo, são uma referência canônica da escola do dito “modern highlife”. Essa reelaboração, que uma quase unânime disfuncionalidade crítica segue rotulando de “modernização” nada mais é que a sua eletrificação, consequência de um diálogo inevitável com outros ritmos negros tidos como mais “urbanos” ou “cosmopolitas”, como o rock e o funk, por exemplo. Diz-se “mais urbanos ou cosmopolitas” pelo fato de integrarem os catálogos das grandes gravadoras através de artistas e bandas ocidentais com penetração garantida n’África – sem contar os seus emuladores locais, que não foram poucos, nos 1960 e 70. O soulfunky e o afrobeat (híbrido desde o berço) contribuíram para remodelar ainda mais o highlife, equivocadamente tomado por uma espécie de “jazz africano” cujo parentesco com a música negra caribenha é sempre apontado como resultante dela – em especial, o calipso de Trinidad e a sua popular derivação, a soca.

O naipe de cordas é mesmo o diferencial do highlife. Por mais que se baseie na polirritmia percussiva e na presença frequente dos metais, são sempre elas, as cordas, que conduzem o som. Existem variações dentro do gênero, como, por exemplo, a palm wine guitar, cujo maior expoente é o serra-leonense S. E. Rogie, que veio a influenciar o estilo de mestres ganeses como E. T. Mensah, Koo Nimo, Kwabena Nyama e de bandas como a T. O. Jazz International Band of Ghana. Logo, a versão eletrificada do highlife se disseminou pela costa ocidental africana e se fundiu com outras técnicas harmônicas de manuseio das cordas.

Ebo Taylor, figura de proa nessa longa tradição, reaparece com um registro do mesmo nível daqueles do auge da sua carreira. E cabe perguntar: quando ele não esteve no auge? Os 30 anos do seu hiato criativo (parte deles vivido no Canadá) teriam sido motivados pelos rumos artísticos e mercadológicos adotados em geral pela música ao longo desse período? Obviamente, a atual (re)descoberta do afrobeat e ritmos da mesma origem continental é um ensejo e tanto para esse retorno aos palcos e estúdios.



Appia Kwa Bridge abre com o vibrante lamento de guerra “Ayesama”, na sua tradicional estrutura vocal repetitiva de chamada e resposta, provando o talento da alemã Afrobeat Academy, no apoio a Ebo Taylor desde Love And Death. Oghene Kologbo, guitarrista nigeriano do Africa 70, de Fela Kuti, e membro da banda do seu compatriota Tony Allen – baterista inventor do beat do afrobeat que, também como seu companheiro, decidiu se desligar da trupe do Black President após o histórico show de 1978, em Berlim –, toca baixo nesta e em algumas outras faixas do álbum. (Kologbo também utiliza os serviços da Afrobeat Academy na sua carreira solo.) O acerto na escolha dos parceiros alemães de Ebo Taylor fica ainda mais claro com o belo backing vocal de “Nsu Na Kwan”, canção inspirada num provérbio fanti ancestral. Para tomar ainda mais distância da margem de erro, é nesta faixa do álbum que se dá pela segunda vez a participação especial do próprio Tony Allen (a primeira é na anterior, “Abonsam”). Remetendo às origens do highlife, “Yaa Amponsah” (um clássico ganês que já integrava o seu repertório, e também executado pela Ogyatanaa Show Band – conferir o volume 2 da compilação Ghana Soundz) e “Barrima”, únicas faixas acústicas do disco, revelam a perícia do maestro de cordas que é Ebo Taylor. “Assom Dwee”, com o ataque do naipe de metais e Mr. Allen mais uma vez nas baquetas, é a mais dançante de todas – e talvez a mais “caribenha”, para quem assim melhor entende. A nostálgica faixa-título – que trata de uma ponte frequentada pela gente de Saltpond, cidade natal de Ebo –, é a penúltima de um total de oito, e conta com metais melódicos, num swing mais cadenciado. É a faixa de maior potencial pop do álbum, mas, ao que tudo indica, não fará carreira no dial brasileiro.

Enfim, tratamos aqui de uma obra-prima concebida, executada e produzida em plena contemporaneidade, cuja medida de permanência para muito além desta está impregnada em cada fraseado de guitarra, em cada solução rítmica, em cada linha de baixo, em cada nota emitida pelos órgãos Farfisa ou Wurlitzer do conceituado Kwame Yeboah. É injusto acusar concessões ao mercado em Appia Kwa Brige. Ser acompanhado pela Afrobeat Academy é de uma coerência total de Ebo Taylor com a sua música. Que se diga: estamos diante de um trabalho que não é a reatualização do som do artista: – é o talento dele próprio em sua essência, o qual recusa fórmulas momentâneas. Os tempos que correm que se adaptem a ele, eis o claro espírito do registro. (Um termo como “essência” cabe muito bem no caso presente, e fora dos esquemas puristas que comumente o empregam. Fica a impressão de que o afastamento por três décadas da indústria preservou Ebo Taylor da submissão as suas regras.)

Causa estranheza que o lançamento de Appia Kwa Bridge não tenha ganho o destaque requisitado pela sua envergadura. E, pelo que se lê por aí, não vem sofrendo nenhuma revisão mais atenta – falha que esta resenha tardia está longe de compensar. Indiferente a isso, Ebo Taylor prosssegue com a sua agenda lotada de apresentações pela Europa, certo de novas adesões. Quem esteve no palco Julio Prestes, dedicado às atrações africanas da edição do ano passado da Virada Cultural de São Paulo, pôde constatar que, mesmo num show com problemas técnicos de exclusiva responsabilidade da produção do evento, esse veterano parece mais distante da aposentaria que qualquer novato que se diga seu discípulo.

Lucio Branco

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